Dudamel (à esq.) treina a seleção principal e administra as de base na Venezuela
LanceO Santos procura um técnico, de preferência estrangeiro, para substituir o argentino Jorge Sampaoli. Nos últimos dias, iniciou um namoro com o venezuelano Rafael Dudamel, 46 anos, ex-goleiro-artilheiro e atual técnico da principal e coordenador da base da seleção de seu país, chamada de Vinho Tinto.
O presidente santista, José Carlos Peres, e seus diretores levaram um susto ao serem informados do salário do treinador: US$ 3 milhões anuais, ou R$ 12,3 milhões ao câmbio da sexta-feira (20), ou ainda R$ 1,025 milhão mensais na mesma taxa de conversão.
Alguns detalhes despertam curiosidade no contrato de Dudamel, que levou a Vinho Tinto Sub-17 ao vice-campeonato sul-americano em 2013, a Sub-20 ao vice mundial em 2017 e a principal às quartas de final da Copa América 2019, no Brasil.
O milhão e 25 mil reais encaixados mensalmente por ele representam mais do que o dobro dos R$ 500 mil recebidos de salário por Sampaoli no Santos em 2019. Informações vindas da Venezuela dão conta de que o salário de Dudamel não sai do caixa da federação venezuelana ou de qualquer instituição ou patrocinador privado, e sim do cofre do governo, bancado pelo presidente do país, Nicolás Maduro.
Se Maduro paga com dinheiro do contribuinte venezuelano comete, no mínimo, dois grandes erros: um de procedimento e o outro de total falta de sensibilidade e visão de circunstância.
O equívoco de atitude se configura na medida em que o presidente deixa de recorrer a parcerias privada nacional ou internacional para bancar o salário de Dudamel, um misto de treinador e legenda esportiva do País.
O segundo, por mais que se reconheça o valor de Dudamel e sua importância para os bons resultados recentes do futebol vinho tinto, é pagar 250 mil dólares mensais ao treinador num momento em que os venezuelanos enfrentam a mais dura crise de sua história contemporânea.
Maduro: bifaço de US$ 1 mil, fortuna para amigos e protesto de venezuelanos
instagram/Nusret GökçeUm país às voltas com uma economia reduzida à metade nos últimos cinco anos, a inflação de 2019 projetada em 1.000.000% (isso mesmo: um milhão por cento) pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o salário mínimo reajustado pelo próprio Maduro, no último dia 14 de outubro, para o equivalente em bolívares, a moeda local, a US$ 15. Os US$ 250 mil mensais pagos todo mês ao treinador correspondem a 16 mil 666 novos salários mínimos da Venezuela.
Dudamel é inegavelmente competente e talentoso como treinador e gestor. Seu salário talvez não esteja deslocado da média do mercado privado, como talvez poderia se supor. Técnicos de seleções sul-americanas ganham salários nesta faixa. Tite, do Brasil, ainda mais.
O ponto é saber se é justo a Venezuela entregar um salário desse porte ao treinador, com dinheiro público, no momento em que milhões de compatriotas deixam o país ou sofrem para comer, educar os filhos e suprir as necessidades mais básicas numa sociedade debilitada. A questão torna-se ainda mais desconcertante se confirmada a informação de que quem paga é o contribuinte, pois nos países democráticos as federações nacionais são instituições privadas, que pagam seus treinadores com dinheiro vindo de suas bilheterias, parcerias e patrocinadores.
O episódio faz lembrar as imagens divulgadas em setembro de 2018 pelo misto de chef de cozinha e estrela midiática digital turca Nusret Gökçe, 35, conhecido como Salt Bae (mais de 15 milhões de seguidores no Instagram). Nelas, Maduro degusta um dos bifaços de até US$ 1 mil no restaurante do chef em Istambul, na Turquia.
Salt Bee, que também comanda endereços em Dubai, Abu Dhabi, Doha, Miami, Nova York, todos frequentados por celebridades e empresários abonados, postou as fotos em suas redes sociais, mas logo em seguida se arrependeu. Em cerca de uma hora, a comilança chique de Maduro teve mais de mil comentários – a suprema maioria com detonações de venezuelanos e indignados de outras nacionalidades.
A Venezuela, país belo, de gente realizadora, dona da maior reserva de petróleo do planeta, teve no passado - e certamente voltará a acumular – condições de bancar situações como essa.
Mas os últimos anos pediram e o momento exige de Maduro um pouco mais de bom senso.