As lojas são cada vez mais sofisticadas. Artigos de decoração, moda masculina e feminina. A hamburgueria artesanal está cheia e é point no começo da noite. A construção civil vive um boom.
No distrito de Morais Almeida, no município de Itaituba, no Pará, tudo é uma oportunidade de negócio. Nada, no entanto, supera os lucros da compra e venda de ouro. É justamente este comércio do minério, em forte valorização no mercado mundial, que transforma o antigo povoado em uma área urbana de 10 mil habitantes com economia própria.
Febre do ouro toma conta de garimpo na Transamazônica
Morais Almeida é o ponto de partida de uma estrada pouco conhecida e que corta a Amazônia numa das áreas mais ricas em ouro do mundo. É a Transgarimpeira, aberta no início dos anos 1980 depois do fim do garimpo em Serra Pelada. São quase duzentos quilômetros com incontáveis transversais que levam a cerca de mil garimpos no meio da floresta.
A terra seca e a poeira lembram bem o cenário da Transamazônica. O trânsito de caminhonetes importadas é intenso, todas carregando mantimentos e máquinas para abastecer os locais de garimpo.
Guilherme Williagenff, engenheiro florestal, filho de garimpeiros, explica por que tanta gente sai de outras regiões do Brasil para se aventurar na região da província mineral do Tapajós.
"Ela é uma das poucas no mundo que ainda tem grandes jazidas a serem descobertas. Através de anos e anos de exploração, dizem que foi explorado em torno de 2%, do ouro da nossa região. Aquele ouro que vai de 1 a 15 metros de profundidade, esse daí já foi”, explica.
“Mas você tem que imaginar que as grandes jazidas vão a 100, 200, 300 metros de profundidade. Tudo isso está para ser descoberto”, completa.
Na prática, onde se pisar nesta vastidão de terra, vai ter ouro. A única pergunta é se há quantidade suficiente para compensar o custo da garimpagem. Esta é também uma região rica em outros minérios como a cassiterita, a tantalita, o topázio, o manganês e diamantes.
Nossa reportagem percorre a Transgarimpeira ao lado de um dos homens mais ricos e influentes da região, mas que prefere o anonimato, temendo incomodar o poder público e garimpeiros clandestinos – a maioria por aqui. “Sou a favor do garimpo com licença, com recuperação ambiental, tudo regulamentado."
Impactos do garimpo febre do ouro transamazônica
Mas o mesmo homem, dono de inúmeros garimpos no Tapajós contesta a proibição de explorar ouro nas reservas federais e áreas indígenas. “Eu te digo, essas são as áreas justamente com mais ouro no subsolo. O que é mais importante: a árvore e o macaquinho ou ouro? Eu não garimpo em área proibida, mas te afirmo: nunca vai parar", diz o empresário.
A caminho de um dos garimpos, seguimos a caminhonete dele. Os dois filhos, ambos com pouco mais de 20 anos de idade, o acompanham. A simplicidade aparente no jeito de se vestir e falar contrasta com os adornos de ouro puro, exibidos no peito e no punho.
Entre colares e pulseiras, um dos jovens carrega mais de R$ 40 mil. No bolso, leva um pouco de ouro em pó, avaliado em mais R$ 10 mil. "É para qualquer eventualidade."
Objetos de ouro no garimpo da Transamazônica
Paramos numa cantina de beira de estrada. São 11:30 da manhã. O fluxo é intenso. O local funciona como parada das vans que fazem a rota entre os garimpos e os povoados. Os trabalhadores do ouro se misturam às famílias indígenas e aos empresários que vendem maquinas retroescavadeiras, todos numa estrutura de madeira, onde o espaço nas mesas improvisadas é apertado.
O calor é sufocante, mas não intimida os homens famintos. No balcão, arroz, feijão, macarrão, carne, galinha e farinha. Cada um se serve por R$ 20. A comida é a menor parte do faturamento da dona da cantina, que ganha muito mais com a venda de senhas de wi-fi. O sinal é gerado por uma antena instalada nos fundos do terreno. O custo da conexão é de 10 reais por hora e todos pagam sem reclamar, já que numa região tão remota e sem qualquer sinal de telefonia, o acesso à internet vale ouro.
Dividindo a mesa com nossa equipe, o anfitrião lamenta ter perdido um avião, recentemente. "Emprestei para um amigo. Ele estava sob efeito de álcool e derrubou a aeronave na mata. Mas vou comprar outro. Acho que dois milhões ‘paga’. Posso me dar esse luxo, não tenho muitos", diz ele naturalmente enquanto dá uma garfada no arroz e feijão da cantina isolada.
Chegamos a uma das transversais da Transgarimpeira. A sensação é de que em pouco tempo estaremos no garimpo. Até que percebemos como o senso de distância nesta região é bem diferente da cidade. "Falta pouco", diz o dono do garimpo.
Na verdade, são mais três horas de estrada. No caminho, um cenário de devastação. Crateras abertas na natureza e abandonadas depois que todo o ouro da superfície já foi explorado.
"Chegamos, sejam bem-vindos”, diz o dono do garimpo, enquanto nos aproximamos do acampamento onde cerca de 15 trabalhadores passam semanas ou até meses.
Parte da equipe do garimpo está sentada no barracão transformado em refeitório. Isolados na Amazônia, eles prezam pela limpeza e organização. A cozinha é impecável. Tomamos café e seguimos a pé para a área de trabalho. Antes, é preciso caminhar sobre um tronco instável, que funciona como ponte em cima de uma área alagada. “Cuidado! Aí embaixo tem sucuri, peixe elétrico e arraia", alerta o dono do garimpo.
Apesar do perigo, a travessia acontece sem sustos. Começamos a ouvir o som da retroescavadeira ecoar pela mata. A máquina abre o terreno, enquanto os garimpeiros trabalham com uma mangueira de alta pressão para derrubar o barranco. A água barrenta é bombeada para uma esteira com um tapete, que segura as partículas de ouro. Só depois, o tapete é batido e, com o uso de mercúrio, o ouro forma liga. Descartado sem cuidado, o mercúrio pode poluir os rios, trazendo riscos para os animais e famílias ribeirinhas.
Bigode procura ouro no garimpo da Transamazônica
Com metade do corpo embaixo da água escura, acumulada com a derrubada do barranco, José Moraes da Silva, o Bigode, trabalha incansavelmente. O sol forte da tarde amazônica castiga as costas dele. O homem de 48 anos tem uma história parecida com a de grande parte dos garimpeiros que se aventuram na região. Ele deixou o Maranhão atraído pelas histórias de riqueza dos conterrâneos, que voltaram do Tapajós esbanjando os lucros do ouro.
"Lá, eu plantava juquira, trabalhava com gado e o salário era muito pouco. Vim tentar a vida aqui no Pará", diz Bigode, que nunca conseguia mais do que R$ 800 por mês na roça.
Bigode é o chamado “percenteiro”, ou seja, trabalha para o dono do garimpo e recebe uma pequena porcentagem de todo o ouro que for encontrado no mês. No primeiro pagamento, ele ficou desconfiado. Eram 10 gramas de ouro. “Rapaz, a porcentagem que eu ganhei dava vontade de jogar no mato porque eu achava que aquilo não valia nada. Dez gramas é um pedacinho deste tamanho. Eu vi que tinha futuro quando eu fui vender."
Para se ter uma ideia, o grama de ouro, atualmente, vale cerca de R$ 350. Bigode ficou feliz quando descobriu que agora poderia ganhar quatro vezes mais que no Maranhão. Não sem um esforço brutal. “Você acorda 5 horas da manhã, pula dentro da água, vai sair 6 horas da tarde. E o aperreio é o que vocês viram aí: é pau, é pedra, é tudo."
Outro problema é a malária, que ele pegou “só” três vezes. Bigode ainda não “bamburrou” – verbo usado no garimpo para uma situação em que os homens encontram uma grande quantidade de ouro de uma só vez. Nesse caso, todos os percenteiros também enriquecem.
"Se eu pegasse um quilo de ouro hoje, amanhã, eu descia pra casa e nunca mais eu queria saber de garimpo, porque eu sabia que eu ia ter uma vida melhor do que aqui. Eu ia comprar uma terra, ia viver junto com os meus filhos", diz esperançoso.
Dois dos filhos de Bigode trabalham lado a lado do pai no garimpo. O maranhense espera que Jardel e Adenílson, ainda jovens, tenham mais sorte do que ele. E que ainda possam estudar. O pai lamenta não saber ler ou escrever. Para se comunicar com as filhas de 8 e 13 anos, que ficaram no Maranhão, só por mensagem de áudio.
"O analfabetismo dói", lamenta.
Área de garimpo é sinônimo de muito trabalho e isolamento. Por isso, quando saem de folga, os homens buscam diversão a qualquer custo. O ouro facilita as festas, mas inflaciona o mercado da prostituição. A Transgarimpeira também atrai mulheres de diferentes regiões em busca do metal valioso, em troca de alguns minutos de prazer sexual.
Nossa equipe chega a uma das inúmeras “corrutelas” que existem na Transgarimpeira. São povoados que servem como base para os garimpeiros sem família por perto. Além das casas de madeira, toda corrutela também tem um mercadinho, um bar e, obrigatoriamente, um bordel.
Seis garotas de programa na varanda estão curiosas com a nossa presença. Uma delas aceita contar detalhes da vida de prostituição no garimpo, mas pede anonimato.
Bárbara, nome fictício, tem 25 anos. Mãe de três filhos, sofre com a saudade das crianças, mas é sorridente e brincalhona. Conversamos no corredor que leva aos quartos escuros, abafados e apertados, onde acontecem os programas.
Nossa personagem explica que o programa vale R$ 300. Se o cliente for velho, sobe para R$ 500. "Às vezes, não demora 10 minutos. Numa noite, faço seis programas", revela.
Parece muito? Pois desaparece com a mesma rapidez. "Acaba que dinheiro que vem fácil, vai fácil também. Gasto com roupas, festas e futilidades."
A compulsão pela gastança das prostitutas é a mesma dos garimpeiros. As histórias no bordel são de homens que chegam com até 80 gramas de ouro no bolso, o que equivale a quase 30 mil reais. Empolgados, eles pagam bebidas, contratam várias meninas para o programa.
"No outro dia, eles ficam jogados na sarjeta, sem um grama de ouro sequer no bolso. Não sobra nada para mandar para a família. O sucesso dura pouco."
A jovem de 25 anos quer deixar o bordel. Bárbara diz que conheceu um namorado rico, que paga tudo o que ela precisa. Segundo ela, uma relação que envolve dinheiro e amor. Se não tiver dinheiro, Bárbara deixa claro, “não tem amor”.