Indígenas tentam se proteger do coronavírus na Colômbia
Gobierno Mayor de los Pueblos Inga y Kamentsá/EFE - 1.4.2020Cidades e governos locais no mundo inteiro criaram estratégias para combater e se proteger do novo coronavírus, com quarentenas, isolamento social e toques de recolher. Mas, na selva colombiana, indígenas tiveram que adotar outras medidas para se manter seguros da doença.
As comunidades indígenas, que representam 4,4% da população colombiana, estabeleceram uma estratégia nacional de prevenção que inclui o bloqueio de estradas, permitindo apenas a entrada de veículos que transportam alimentos e necessidades básicas para sua sobrevivência.
"A estratégia de prevenção e contenção é dividida em três ações específicas: pedagogia para entender a pandemia, controle territorial por meio da guarda indígena e mobilização de conhecimentos por especialistas em medicina indígena", explica Ángel Jacanamejoy, secretária geral da Autoridades indígenas tradicionais na Colômbia.
A guarda indígena, uma organização em defesa dos direitos, território e autonomia das comunidades étnicas, se organizou para impedir a entrada de pessoas de fora da população, como turistas, visitantes de instituições privadas, delegados de ONGs ou agentes internacionais.
Os primeiros povos a restringirem contato com outras pessoas foram as comunidades da Sierra Nevada de Santa Marta, onde moram pessoas como os Arhuacos, Kogis, Wiwas ou Kakuamos, que pediram ao governo que proibisse os turistas de entrar no Parque Nacional Tayrona, uma das grandes atrações da Colômbia.
A medida se espalhou por quase todo o país e as cidades gradualmente fecharam suas fronteiras, alertando o governo sobre as necessidades de muitas de suas comunidades, algumas delas sem acesso a água que garantiria sua higiene para evitar contágio. Uma das recomendações da OMS para se proteger do coronavírus é lavar as mãos com regularidade.
Apesar dos esforços para se proteger contra a doença, dois membros da comunidade Yupka foram diagnosticados com coronavírus e agora a tribo, localizada entre o bairro El Escobar e a cidade de Cúcuta, se encontra com alto risco de ver o vírus se propagar entre os 250 moradores.
“Estamos muito preocupados porque essa é uma comunidade indígena com uma condição de extrema vulnerabilidade e que já tinha uma saúde precária”, disse Luis Fernando Arias.
Homem atravessa ponte em Cúcuta usando máscara
Carlos Eduardo Ramirez / Reuters - 12.3.2020A comunidade indígena é um dos grupos mais vulneráveis diante da pandemia do coronavírus, e, de acordo com um relatório de 2016 do Ministério da Saúde, as infecções respiratórias agudas são a terceira principal causa de morte nessas populações.
Além disso, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mais da metade dessa população vive abaixo da linha da pobreza e mais de 40% estão em extrema pobreza, dificultando o acesso a serviços básicos necessários para enfrentar a pandemia.
Por esse motivo, a Organização Indígena Colombiana (ONIC) lançou um plano de contingência para "impedir que a pandemia chegue e se espalhe pelos territórios indígenas" com a ajuda de profissionais de saúde, médicos tradicionais, guardas indígenas e do Movimento Indígena e Social Alternativo.
A estratégia, articulada com as autoridades da Colômbia, visa fortalecer os sistemas de medicina tradicional dos povos por meio de suas plantas, usos e costumes, e gerenciar a ajuda humanitária com o governo para que as comunidades possam receber alimentos, prevenção e água potável.
Hoje, mais do que nunca, os povos indígenas promovem a prática de seus conhecimentos milenares, seus próprios remédios e os rituais com os quais se conectam com a natureza para espantar, dizem, os espíritos.
Entre as medidas de prevenção adotadas pelos indígenas estão danças ancestrais, bebidas feitas com plantas medicinais como arruda, alecrim e camomila, que tem propriedades sagradas para eles.
“Tudo isso faz parte de um grande fortalecimento da espiritualidade como o elemento que, historicamente, nos permitiu ser fortes física e emocionalmente”, diz Jacanamejoy.
Por sua vez, o povo indígena Nukak, no departamento de Guaviare, pediu ao governo colombiano alimentos e remédios para se isolarem em suas reservas ecológicas, muitas delas nas montanhas do país.
No entanto, a solução envolve riscos maiores para muitos deles, pois algumas dessas reservas estão sob o controle de grupos armados e outras foram devoradas nas últimas semanas por incêndios florestais.
Mesmo com quarentena, comunidades são alvo de ataques
Gobierno Mayor de los Pueblos Inga y Kamentsá/EFE - 1.4.2020As hostilidades contra comunidades indígenas continuaram na Colômbia, mesmo com a quarentena obrigatória de 19 dias declarada pelo governo para controlar a propagação da pandemia, que já deixou mais de 1.000 casos de contágio.
Pelo menos 66 membros do povo indígena Nasa, incluindo 13 de suas autoridades, foram mortos no ano passado em Cauca, que tem histórico de ser uma região de intensos conflitos, de acordo com um relatório publicado em fevereiro pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
"Em meio às medidas de confinamento, continuam os assassinatos e perseguições de grupos armados irregulares. É uma situação recorrente que ocorre em todo o país”, denunciou Jacanamejoy.
O conselheiro sênior do ONIC assegurou que "essa situação coloca a Guarda Indígena em sério risco, especialmente a que está localizada em todos os pontos de controle nas reservas indígenas para conter a disseminação do coronavírus".
Por esse motivo, ele insistiu em pedir para que os grupos armados parassem as hostilidades contra essas comunidades para que elas "possam dedicar-se a conter a entrada da pandemia nos territórios".
"O genocídio contra os povos indígenas se tornou nossa pior pandemia nos últimos anos", denunciou o conselheiro sênior.