Prisão de Concepción: presos fazem rebelião por comida, água e roupas
Divulgação Juan Alberto Martens"Um por todos e todos por um. 1533." O coro foi entoado três vezes por 96 detentos de mãos dadas suspeitos de integrar a organização criminosa do PCC (Primeiro Comando da Capital) no Paraguai. Enquanto o grupo gritava, os demais presos da Penitenciária Regional de Encarnação, localizada a cerca de 365 quilômetros da capital Assunção, permaneciam em silêncio em sinal de respeito e temor aos membros da facção de origem brasileira.
Os detentos integrantes da facção reivindicam às autoridades direitos à população carcerária do Paraguai. "Eles pediam acesso à água, tererê (bebida típica do país), remédios, alimentos e roupas", afirma Juan Alberto Martens, criminólogo, que presenciou negociações, pesquisador da Universidade Nacional de Pilar e membro do Conselho Nacional de Ciências Tecnologias (Conacyt).
No Paraguai, o PCC vive um crescimento sem precedentes. Essa expansão, no entanto, ocorre a partir de estratégias bastante distintas das que estariam sendo utilizadas pelo grupo em território brasileiro. No Brasil, segundo investigações do promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) Lincoln Gakiya, os líderes da organização criminosa teriam se distanciado de suas bases com o objetivo de enriquecer individualmente. A organização, segundo Gakiya, estaria focada em exportar drogas para países europeus e cada vez mais distantes de seu objetivo de atuar como "sindicato do crime", protestando contra as mazelas do sistema prisional.
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No país vizinho, membros paraguaios organizam rebeliões e provocam tensões com autoridades para obter benefícios para a população carcerária. Essa estratégia, explica Martens, remete às origens da facção no Brasil. No ano de 1993, quando o PCC nasceu em um anexo da Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, os líderes tinham como objetivo combater a opressão dentro do sistema prisional paulista e vingar a morte dos detentos do massacre do Carandiru, em 1992. "É um momento muito semelhante ao início da organização no Brasil. Há um forte discurso dos detentos nesse sentido", diz Martens.
Essa estratégia aliada à presença da organização nos presídios do país tem gerado um recrutamento de integrantes cada vez mais frutífero ao PCC. "A transferência de presos entre as unidades prisionais aumenta a capilaridade da organização", explica a socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. "A presença da organização se deu, inicialmente, nas regiões fronteiriças e é mais contundente nessas áreas, mas vem se espalhando em outros territórios do país."
Recrutamento e expansão
PCC tem presença em todas as unidades prisionais do Paraguai
ReproduçãoAtualmente, a organização criminosa está presente nas 17 unidades prisionais do país, com aproximadamente 500 membros. Para se ter ideia, o Paraguai tem hoje uma população carcerária estimada em 15 mil presos, o equivalente a 2% da brasileira. O Brasil tem hoje 812.564 presos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Nos últimos dias, rebeliões e resgates de supostos integrantes de organizações de origem brasileira revelam a forte atuação desses grupos no país vizinho, sobretudo, da organização paulista.
Na quinta-feira (5), membros do PCC fizeram um agente penitenciário refém no Centro de Reabilitação Social, localizado na cidade de Campyretá, no estado de Itapúa, a cerca de 800 quilômetros de distância da fronteira entre Brasil e Paraguai. Segundo um agente de segurança que preferiu não se identificar, o motim começou após cortes de benefícios aos presos no presídio.
Na quarta-feira (11), um grupo armado resgatou o narcotraficante aliado da organização criminosa brasileira Comando Vermelho, conhecido como Samura, enquanto era transportado em um carro de polícia para a penitenciária de Emboscada. A troca de tiros ocorreu na região metropolitana da capital. Dias antes, a procuradora-geral do Estado, Sandra Quiñonez, reconheceu que o crescimento do PCC no país é incontrolável. Ela também declarou que o recrutamento de integrantes está se intensificando dentro das penitenciárias.
Um investigador da Polícia Civil, que atua na fronteira do Brasil com a cidade de Pedro Juan Caballero, disse à reportagem do R7 que a organização criminosa de origem paulista atua no país como uma espécie de franquia. "Todos os presos por aqui estão se filiando ao PCC", afirmou. "Eles seguem as regras gerais da organização criminosa, mas atuam de forma independente", explica.
Não à toa, o Congresso Nacional do Paraguai sancionou, no dia 7 de setembro, uma lei que declarou situação de emergência em todos os estabelecimentos penitenciários de homens, mulheres e unidadades socioeducativas. A legislação previa que, nos 15 dias subsequentes, fosse regulamentado um plano nacional de segurança que, entre outras medidas, autorizasse o Ministério da Justiça a contratar funcionários em caráter de exceção.
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Uma das rebeliões mais marcantes para dinâmica do crime organizado no Paraguai ocorreu no presídio de San Pedro del Ycuamandiyú, a cerca de 220 quilômetros da fronteira com o Brasil. No dia 16 de junho desse ano, presos ligados ao PCC mataram outros dez detentos no local. Destes, cinco foram decapitados e três carbonizados durante o confronto. Um dos detentos envolvidos é, segundo Martens, um membro brasileiro do PCC que também atuou no motim da quinta-feira (11), em Campyretá. "É uma prova de que as remoções fortalecem as ações do PCC", diz ele.
Fortalecimento do crime organizado
Pedro Juan Caballero: presença do PCC começou na fronteira e se expandiu
ReproduçãoAs últimas rebeliões organizadas pelo PCC mudam a dinâmica criminal do Paraguai. Segundo Camila Dias, embora a prática do tráfico de drogas exista no país, o Paraguai não é uma nação com níveis elevados de violência. A socióloga, que também é autora do livro "A Guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", afirma que as autoridades paraguaias perceberam, há algum tempo, que a expansão da organização criminosa vinha ocorrendo dentro no sistema prisional. "Mas o governo demorou a reagir. A polícia paraguaia não está preparada para administrar essa expansão."
O sistema prisional, explica Camila, é um local propício para o enraizamento das organizações criminosas. "É difícil batizar as pessoas fora dele. É a prisão que propicia esse vínculo. O PCC parece ter percebido isso e aproveitado a demora do governo para aumentar sua presença no local", diz ela. "Hoje, não são somente brasileiros batizados, há membros paraguaios. Isso indica outro patamar da organização criminal no país, uma presença endógena."
Ao longo dos anos, o Paraguai se constituiu como uma rota de passagem para organizações criminosas e produtor de drogas na América do Sul, mas, segundo a socióloga, não eram os grupos que faziam uso de violência ostensiva. "Após a morte do Jorge Rafaat (2016), esperava-se que o PCC controlasse a fronteira e que os crimes violentos aumentassem, tal como ocorreu com o assalto da Prosegur (2017). A fronteira não foi "dominada' pelo PCC, embora, certamente, tenham sido beneficiados com a morte do Rafaat."
De acordo com o pesquisador paraguaio, em 2014 um maior número de mortes nas fronteiras passaram a ser atribuídas ao PCC e não mais ao grupo armado EPP (Exército do Povo Paraguaio). "O EPP tem uma presença mais marcante nas regiões de São Pedro e Conceição. Já o PCC passou a ter presença em todas as cadeias do país", disse. Além disso, a organização de origem paulista começou a movimentar maior quantidade de armas. "O PCC era, de certa forma, invisível para as políticas de segurança pública. Em 2013, o governo ainda considerava que o problema para a segurança pública era o EPP. Somente em 2017, o domínio da facção se tornou mais visível."
Incapacidade do governo
Embora existam outras organizações criminosas nos presídios paraguaios, a presença majoritária é do PCC. O Comando Vermelho, facção rival da organização paulista no Brasil, tem cerca de 50 membros batizados no país vizinhos. De acordo com Martens, apesar de a facção estar presente em todas as unidades prisionais, ainda não há domínio em nenhum presídio.
Na cidade de Encarnação, próximo a fronteira com a Argentina, há uma maior atuação do grupo, segundo o criminólogo. Em outras cidades, como Pedro Juan Caballero e Ciudad del Leste, também há registros de integrantes brasileiros da facção. A maior unidade prisional do país, em Tacumbu, na capital Assunção, concentra 40% da população prisional e nela também há integrantes do PCC. "As autoridades paraguaias não dimensionaram a capacidade da organização", afirma Martens.
Em junho desse ano, nos primeiros momentos após a rebelião em que presos tiveram cabeças decapitadas, o ministro do Interior do Paraguai, Juan Ernesto Villamayor, anunciou que presos brasileiros com pena a cumprir no Brasil seriam expulsos do país. "Há cinco ou seis meses seria possível transferi-los para presídios brasileiros. Agora, que a maioria é paraguaia e não tem processo no Brasil, já não faz sentido", explica o pesquisador.
Especialistas em crime organizado afirmam que o estado paraguaio não vem adotando políticas capazes de frear ou enfraquecer o crescimento do PCC. Pelo contrário: há um conjunto de fatores que propiciam o rápido fortalecimento do grupo. "Há o problema da corrupção do sistema: os integrantes do grupo tem armas de fogo nas cadeias, o que significa que existem agentes que facilitam essa entrada", diz. Além disso, Martens afirma que muitos agentes utilizam a tortura como um mecanismo de controle. "Essa reação também contribuiu para o discurso do PCC ganhar força. Outros presos pedem ajuda ao PCC para resistir no sistema prisional."