Cenas como essa são comuns em temporais de fim de tarde em SP
Sergio Neves/Estadão ConteúdoAo longo de um século, São Paulo foi construída em um processo de “negação” dos cerca de 300 rios e córregos que faziam parte da paisagem. As águas foram cobertas por avenidas e a vegetação deu espaço aos prédios. A cada verão que chega — e junto vem a chuva — a metrópole paga o preço de ter sido erguida dessa maneira. Para especialistas ouvidos pelo R7, os alagamentos, que sempre estiveram presentes na história da capital, vão continuar sendo um problema.
Nos últimos cem anos, cerca de 1.500 km de córregos foram transformados em tubulações. Em cima deles estão grandes avenidas, como: 23 de Maio, Nove de Julho, Sumaré, Pacaembu, Pompeia, Prestes Maia e outras dezenas. Além disso, os rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros tiveram seus cursos retificados. Ao lado dos leitos, estão as marginais e também a avenida do Estado.
Cobrir um rio com uma avenida não se mostrou uma solução inteligente ao longo dos anos. Desde a década de 50, a região do Anhangabaú sofre com alagamentos. O mesmo acontece na avenida Nove de Julho e em outros pontos em toda a cidade.
Em São Paulo, pouco se pensou até hoje sobre como evitar que a água da chuva caia nesses córregos canalizados. Todas as bocas de lobo desaguam neles, em uma velocidade rápida, deixando-os saturados. Exemplo disso é o que acontece após um temporal no cruzamento das avenidas Pompeia e Francisco Matarazzo.
Grandes inundações causam transtornos em SP há mais de um século; veja imagens
Para o professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) Paulo Pellegrino, sempre houve “algo errado com o desenho que fizeram da cidade”.
— O grande erro foi tentar domar os rios, foi ter negociado errado com a natureza. A enchente sempre existiu. Quanto mais se canalizou os rios, mais o problema piorou.
Um exemplo clássico de como São Paulo cresceu desordenadamente é o Jardim Pantanal, bairro na zona leste construído na várzea do Tietê, assim como outros. Moradores da região sofrem constantemente com as inundações. Isso porque, historicamente, aquele era o lugar tomado pelas águas do rio em épocas de cheia. Deveria ter vegetação e não casas.
Integrante do projeto Rios e Ruas, Luiz de Campos Júnior diz que o problema não é o rio.
— A gente construiu onde é um lugar natural de enchente. As cheias no Tietê só vão acabar no dia em que a natureza não cumprir mais sua função. A chuva é natural.
Avenida Nove de Julho alagada na década de 70
Kenji Honda/Estadão Conteúdo - 9.2.1976Como reduzir o impacto da chuva
A cidade já está construída e pouca coisa pode ser modificada. A ausência de grandes áreas verdes pode ser compensada com iniciativas adotadas por novos empreendimentos, por exemplo. Campos Júnior sugere os jardins de chuva.
— São lugares que retêm água e vão soltando devagar para a galeria pluvial. Eles podem ser usados o ano inteiro para outra atividade e na época da chuva, ele inunda e libera essa água devagar.
O professor da FAU-USP também diz acreditar que o caminho seja esse: aproveitar a água que cai sobre os imóveis.
— O telhado verde funciona como uma área de tratamento de água da chuva. Além disso, é preciso pensar também em captação. O momento atual nos mostra que a água da chuva é uma alternativa e deve ser usada.
Os parques lineares são o que deveria ter sido feito há um século: quilômetros de áreas verdes preservadas às margens dos rios. Nesse percurso, são construídas ciclovias e equipamentos de lazer. Em caso de enchente, o prejuízo é menor.
Também é preciso conscientizar a população da existência de todos esses rios que passam sob a cidade. Para isso, o Rios e Ruas organiza eventos, como conta Charles Groisman.
— Partimos de um ponto de largada e em expedições a gente mostra a presença desses cursos d’água, mesmo que soterrados. Tudo para criar consciência nas pessoas sobre a existência desses rios. Tudo para que elas tenham uma consciência sobre a água e multipliquem isso.
Obras
A prefeitura informou que está investindo R$ 1,6 bilhão em obras de drenagem. O objetivo é aumentar em 52% a capacidade de reserva de água da chuva e assim evitar alagamentos em áreas onde sempre há transtornos. Um dos exemplos é o córrego Aricanduva, onde serão construídos dois piscinões. As obras também incluem os córregos Sumaré e Água Preta, que quando transbordam enchem as avenidas Francisco Matarazzo, Pompeia e Antártica, na zona oeste.