Pedido precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional
Guilherme Gandolfi/ Futura Press/ Estadão Conteúdo - 17.03.2020O Senado Federal aprovou nesta sexta-feira (20) o decreto de reconhecimento de calamidade pública no Brasil, inédito em nível federal. Mas o que isso significa? Especialistas ouvidos pelo R7 explicam que a aprovação é essencial para que o presidente Jair Bolsonaro possa destinar mais recursos à saúde sem cometer um crime de responsabilidade fiscal.
“Nós estamos enfrentando uma doença infecciosa de alta calamidade e é preciso direcionar os recursos de toda ordem para prevenir e combater o vírus”. É o que diz a advogada constitucionalista e mestre em direito administrativo público pela FGV (Fundação Getulio Vargas) Vera Chemim. Segundo Chemim, o reconhecimento do estado de calamidade pública é uma forma de ajudar a população.
O advogado especialista em direito empresarial e consumeirista Alexandre Ricco afirma que, "juridicamente [o estado de calamidade] é definido com uma situação de natureza emergencial na qual se identifica que o poder público acaba por ter comprometidas suas atividades, seu próprio poder de gerenciamento dos problemas sociais".
O Congresso Nacional é o responsável por aprovar a LOA (Lei Orçamentária Anual), que determina quais os valores podem ser gastos ao longo do ano e o teto de cada uma das áreas. Devido às características da pandemia, é preciso gastar mais em saúde do que o previsto no orçamento. “Foi tudo aprovado e existe um teto de gastos, mas ele [o presidente] precisa extrapolar. Para extrapolar, ele precisa de novo da aprovação do Congresso”, explica Chemim.
Do valor total do orçamento aprovado, de cerca de R$ 3,6 trilhões, R$ 135 milhões seriam destinados ao Ministério da Saúde neste ano. Com a aprovação do estado de calamidade, o valor pode ser ultrapassado.
A LOA 2020 também determina deficit de R$ 124,1 bilhões como meta fiscal para o resultado primário do governo central — Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central.
O advogado especialista em direito constitucional Guilherme Amorim, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, afirma que o estado de calamidade faz com que a maior parte do orçamento seja destinado ao setor com maior necessidade, que neste caso é a saúde, mas pode ser direcionado para outras áreas, como a economia.
Amorim afirma que a situação também diminui a burocracia em processos licitatórios, por exemplo. Quando houver necessidade de compra de insumos para a saúde, o processo passa a ser mais rápido do que o convencional, devido à urgência.
Com a aprovação da situação de calamidade, é possível que o déficit brasileiro fique ainda maior. Para Amorim, no mundo "ideal" deveria existir um esforço para acabar com o déficit. No entanto, a realidade deve ser diferente, entendendo que o valor pode ser ainda maior em prol do combate ao coronavírus.
Ricco explica que, após a liberação do estado de calamidade, o pagamento da "conta" é feito depois. "A precificação é a posteriori. O poder público utiliza [o dinheiro] e tem um conceito de remuneração feito claro em um caráter emergencial"
O presidente tem autoridade para decretar a calamidade, mas precisa do Congresso para que possa extrapolar o teto de gastos. “É importante que recursos sejam canalizados para situação de emergência, mas é importante que [a decisão não fique nas mãos de uma autoridade só”, afirma Amorim.
Assim que o presidente enviar o pedido de reconhecimento de calamidade pública, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal devem tratar o tema com urgência, para que seja aprovado o mais rápido possível. Os presidentes das casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente, já sinalizaram que apoiam o decreto de estado de calamidade pública.
Em nota enviada ao Congresso, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República afirmou haver necessidade de “elevação dos gastos públicos para proteger a saúde e os empregos dos brasileiros e da perspectiva de queda de arrecadação”. A medida terá efeito até 31 de dezembro de 2020 e, para ser aprovada, precisa dos votos da maioria simples das duas casas — isso significa que precisam de metade mais um votos dos presentes nas sessões.
Assim que aprovado, o presidente Jair Bolsonaro pode começar a distribuir o orçamento para a saúde, explicitando os gastos em um decreto no ato ou prestando contas durante o processo.
Segundo o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, “na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:
I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;
II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9º”.