Ela caminha de bota e chapéu entre os pés de cacau da Fazenda Panorama, uma extensa propriedade na região de Uruará, no estado do Pará. Alta, maquiada e com os cabelos loiros, chama atenção de longe enquanto passeia entre alguns dos mais de 230 mil pés de cacau que possui e que produzem 400 toneladas por ano da matéria-prima do chocolate. O sobrenome é Gutzeit, de origem alemã. O primeiro nome, Elcy. Mas pode chamar de Rainha do Cacau.
Ela diz que o apelido “pegou” após uma entrevista. “Eu respondi: ‘gostaria de ser a Imperatriz do Cacau’. Eu vejo que as pessoas necessitam de uma liderança. Então, por que não fazer este papel? Ser a Rainha do Cacau é no sentido figurativo, é a rainha do trabalho realmente”, explica a fazendeira.
“Imperatriz” não pegou, mas “Rainha” caiu bem. E a pujança da Fazenda Panorama tem feito jus ao título de Elcy: hoje ela faz parte da realeza do cacau. No ano passado, a amêndoa da Fazenda Panorama foi eleita uma das 50 melhores do planeta. Com direito a certificado no “International Cocoa Award”, um dos mais importantes eventos de produtores do mundo, realizado a cada dois anos em Paris.
Rainha do Cacau Transamazônica
Assim como na realeza, o título de Elcy é - com certa licença poética - um tipo de herança. Ela é a filha de pioneiros que chegaram à região ainda nos primeiros anos da Transamazônica. “Na época, era realmente bem primitivo, né? Era mata. Mata pura. Não tinha quase habitantes”, relembra.
Os pais são do Espírito Santo. Elcy nasceu em Belém do Pará. Quando era pequena, o patriarca da família decidiu realizar um antigo sonho: se tornar agricultor. Ela conta que seu Hervino queria muito achar terras férteis para plantações de cacau. E conseguiu. “Foi um dos primeiros a plantar cacau nesta região.” Isso foi há 40 anos.
De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje, o Pará é o estado que mais produz cacau no Brasil e a Fazenda Panorama está no centro da chamada “Rota do Cacau”, composta por 11 municípios que margeiam a rodovia Transamazônica e possuem várias propriedades de cacauicultores. A “Rota do Cacau” tem crescido em ritmo acelerado e fez com que o Pará conseguisse desbancar a Bahia no topo do ranking de produção nacional na última década.
Elcy é uma rara liderança feminina em uma região dominada por homens e onde os conflitos agrários ainda são comuns. Ela diz que conseguiu encontrar o próprio espaço com muita paciência. “No começo, houve esta resistência. Então, tive que realmente mudar certos conceitos e depois fui trabalhando isso. E com educação foi acontecendo e conseguimos, graças a Deus.”
A educação é o ponto de virada na vida de Elcy. Depois de formada, ela deixou o Pará e foi estudar na Europa, mais precisamente na montanhosa e gelada Suíça. Na terra do chocolate, que tem este título apesar de nenhum pé de cacau brotar por lá, a fazendeira conta que viveu um choque cultural intenso. “É como se você chegasse em outro planeta quase, né? É super diferente.”
No período que passou na Europa, a fazendeira estudou, conheceu as origens dos avós alemães e aprendeu novos idiomas. “Aprendi francês. Je parle bien français... Falo très bien (muito bem)”, conta.
Foram 12 anos fora do Brasil, o quê, segundo a produtora, contribuíram para que ela aprendesse a valorizar ainda mais o que viu e viveu na floresta. “O mundo precisa saber que isso aqui é um lugar divino. Estas terras são férteis, nós temos as melhores águas do planeta, nós temos as melhores terras e nós temos as melhores florestas. E não somos bandidos, somos agricultores, somos pessoas que trabalham de sol a sol”, diz orgulhosa.
Quando voltou da Suíça, a paraense desembarcou pronta para uma nova vida, bem diferente da que tinha antes de deixar o Brasil. “Falei: ‘tem que renascer uma outra Elcy, não vai dar mais pra ser madame’. Coloquei a bota, o chapéu e vamos lá, liderar as plantações, ajudar os meus paizinhos que lutaram tanto por essas terras.”
A mão na massa de Elcy fez a diferença e as propriedades da família deram um salto de qualidade ao longo dos anos, a ponto de a produção dos Gutzeit ter conseguido chegar a mercados exigentes. “Estamos exportando alguns lotes para a França. Já temos algumas demandas. Para Suíça também já tem alguns pedidos”, revela.
Para Elcy, o contato com produtores e compradores fora do Brasil evidencia: a produção do cacau paraense é amiga da Amazônia. O cacaueiro precisa da sombra de árvores mais altas para se desenvolver e muitos produtores usam o sistema agroflorestal, em que vegetação nativa permanece em grande parte junto com os pés de cacau.
“Sempre nós falamos que o cacau é a planta guardiã da floresta. É possível plantar dentro da floresta, é possível plantar na pastagem, em áreas degradadas”, defende Elcy.
Com um reinado de sucesso, a Rainha do Cacau já prepara um sucessor. “Eu tenho um filho chamado Helton, ele tá me ajudando muito, inclusive eu estou muito feliz que eu tô passando para ele esta liderança”, diz a mãe coruja.
Pelo jeito, o reinado do cacau está garantido ainda por um bom tempo. “Ele tem o cacau na veia.”
repórter: André Tal imagens: Michel Mendes auxiliar: Ivanildo Tavares pauta: Henrique Beirangê edição: Aldrich Kanashiro coordenação digital: Marcio Strumiello sonorização: Rafael Ramos edição de pós-produção: Miguel Wesley chefia de reportagem: Mateus Munin e Renata Garofano editor- executivo: Marcelo Magalhães editora-chefe: Cristiane Massuyama projetos especiais: Gustavo Costa chefe de redação: Pablo Toledo