Com mais de 23 mil pessoas vivendo nas ruas de São Paulo, em meio à pandemia de coronavírus, centros de acolhimento só contam com 17 mil vagas
Arquivo Pessoal"É melhor que a gente morra, porque aí não damos trabalho". Essa foi uma das frases ouvidas pela médica Carla Góes, durante seu atendimento voluntário à população de rua, em São Paulo. Há mais ou menos três semanas, a dermatologista se reúne, nos arredores da Avenida Paulista, com um grupo de mulheres voluntárias para distribuir comida, máscaras e álcool gel para quem não tem condições de se manter em isolamento, durante a quarentena, para conter o avanço do coronavírus.
De acordo com o Censo da População em Situação de Rua, existem 24.344 pessoas vivendo nas ruas da cidade, das quais, ao menos, 2,2 mil integram o grupo de risco. Segundo a experiência da médica, o clima fora do isolamento é de insegurança e desinformação. "A maioria não sabia porque as pessoas tinham sumido na rua. Me perguntaram por que estávamos de máscara. Alguns deles se mantinham informardos com o jornal que jogam no lixo."
Acompanhada de cinco voluntárias, Carla toma as devidas precauções para entregar os kits: cabelos presos, óculos, máscara e luvas. Além da proteção contra a pandemia, o grupo ainda tem que tomar cuidado com o machismo nas ruas. "Estamos procurando um lugar seguro para fazer a distribuição dos kits. Por sermos um grupo de mulheres, também somos abordadas e corremos risco".
Durante a distribuição, a médica conta que os kits de higiene são vistos como um "brinde" pelos moradores de rua. "O maior interesse é pela comida porque a fome é grande. Levo achocolatado e bolinhos recheados. Quando veem os sabonetes, dizem: 'Que legal! Mas onde é que vou lavar as mãos?'"
No último dia 24, o governador João Doria (PSDB) anunciou a instalação de pias para higienização, nos centros da cidade. Ao todo, o município conta com 89 centros de acolhimento, totalizando 17,2 mil vagas. Em reportagem ao Estado de São Paulo, publicada no mesmo dia, moradores de rua relataram pouca ventilação nos abrigos e beliches com menos de um metro de distância entre as camas. Para Carla Góes, a ida às ruas é "uma atitude emergencial".
"É como se você estivesse em uma guerra e tem que se virar com o que tem."