Museu no Senegal mostra a importância da África para a sociedade moderna
María Rodríguez/ EFE - 30.3.2019Em um discurso bastante repercutido feito na Universidade de Dacar (Senegal), em 2007, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy disse que "a tragédia da África é que o homem africano não entrou o suficiente na história".
Um erro de cálculo e de conhecimento que lhe valeu muitas críticas, pois a África está há tanto tempo na história quanto o ser humano na Terra, como mostra o novo Museu das Civilizações Negras, aberto no coração da capital do Senegal.
A África e a criação do ser humano
"A maior contribuição da África à humanidade é a criação do ser humano, que começa com nossos ancestrais há 7 milhões de anos", disse à Agência Efe Hamady Bocoum, diretor do espaço construído com o incentivo de US$ 34 milhões da China.
Como parte da luta pelo peso que a África merece ter na história, o local foi aberto em 6 de dezembro de 2018. A sua função, de acordo com Bocoum, é exibir todas as contribuições e mostrar que "o ser humano é um criador contínuo e, consequentemente, muito foi feito na África".
"A humanidade é criação contínua e nessa criação contínua a África teve a sua parte frequentemente escondida", enfatizou.
O projeto do museu foi pensado ainda nos anos 50 por intelectuais negros e saiu do papel em 1966, com o primeiro presidente do Senegal, o poeta Léopold Sédar Senghor. O espaço contou com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) até os anos 80, mas depois caiu no esquecimento.
A ideia ressurgiu no início do século XXI, com o então presidente senegalês Abdoulaye Wade, mas acabou se materializando com seu sucessor no cargo, Macky Sall.
Museu é inspirado nas cabanas redondas africanas
Ao visitar o Museu das Civilizações Negras, o que primeiro que chama a atenção é a forma: um enorme edifício circular de 14 mil metros quadrados distribuídos em quatro andares e um espaço ao ar livre. A ideia é refletir às civilizações africanas, cujo elemento mais representativo é a cabana redonda.
Ideia é refletir às civilizações africanas
María Rodríguez/ EFE - 30.3.2019O desenho do Museu também faz alusão a um tipo de construção da região de Casamance, no sul do Senegal, assim como da Grande Zimbábue, capital de um reino fundado no século XI na atual Zimbábue e onde ainda existem ruínas.
Uma vez dentro do edifício, o visitante se surpreende novamente com uma árvore de 12 metros de altura que se impõe no centro. Um baobá, a árvore mais emblemática da África, de ferro feito pelo escultor haitiano Edouard Duval-Carrié.
"Este baobá simboliza a árvore da humanidade em torno da qual todos os primatas estão representados até nós, homo sapiens", explicou o diretor.
Ciência e tecnologias africanas
Além da criação do ser humano, a África apresentou mais contribuições à humanidade. Por isso, em volta da sala principal estão diferentes colaborações à ciência e à tecnologia, como a metalurgia, a medicina, a arquitetura e a matemática.
Em 11 exposições, é possível encontrar também retratos de homens e mulheres que marcaram a história do continente e a diáspora, uma sala dedicada às civilizações africanas e outra à apropriação africana das religiões abraâmicas.
A instituição, que não quer ficar exclusivamente presa ao passado, apresenta ainda a mundialização da negritude, as diferentes obras de arte que ganharam o prêmio na Bienal de Dacar de 1992 a 2018, a arte têxtil africana e a mostra "Diálogo de máscaras".
"As máscaras são produzidas por todas as civilizações, como as asiáticas e australianas. E mostram que na nossa humanidade há certa unidade na nossa diversidade. Temos expressões culturais que às vezes estão muito próximas", esclareceu Bocoum.
Civilizações negras
Diretor não quer se prender a uma coleção única
María Rodríguez/ EFE - 30.3.2019O diretor, porém, disse que não tem vontade de se "aprisionar" em uma coleção, porque, em sua opinião, não se pode montar um algo permanente e dizer que aquilo é representativa de todas as civilizações negras. Atualmente, são 1.300 as peças expostas, mas é passível de mudança, exceto a exposição principal.
Ele inclusive ressaltou a importância de fazer exposições de temas que não tenham a ver com as civilizações negras para mostra um todo.
"Nos museus africanos só encontramos coisas africanas, como se os africanos não tivessem a necessidade de descobrir o outro", explicou.
Pouco antes da abertura do museu, o escritor e acadêmico senegalês Felwine Sarr e a historiadora de arte francesa Bénédicte Savoy publicaram um relatório sobre a restituição do patrimônio cultural africano que causou certa polêmica.
O texto falava da necessidade de devolução das obras africanas que são expostas em museus ocidentais e que foram roubadas em tempos da colonização. Mas, para o diretor, "quando os europeus chegaram à África, eles dessacralizaram, traficaram e levaram o que eles dizem ser arte africana, mas não é verdade". Segundo Bocoum, o que os europeus teriam roubado são "objetos de culto", mas a arte segue na África, porque "existe uma criação contínua".
De fato, o Museu das Civilizações Negras quer ser um museu diferente: nem etnográfico, nem antropológico, nem subalterno, nem cromático.
"Não é o Museu do preto. O preto não é 'essencializado', ele é histórico. É o Museu das civilizações negras no tempo do mundo, um tempo muito longo: 7 milhões de anos e não dois séculos que a colonização durou", defendeu Bocoum.