2019: ano em que o sarampo voltou a assustar o Brasil
Apenas no estado de São Paulo — o mais afetado pelo surto — número de casos superou o total registrado em todo o país em 2018
Retrospectiva 2019|Do R7
O ano de 2019 foi de preocupação para milhões de brasileiros, com o avanço do surto de sarampo para a maior parte do território nacional — no ano passado, os casos se concentraram na região Norte.
Em grande parte, os mais de 10 mil registros confirmados da doença em 2018 estavam ligados à migração de pessoas vindas da Venezuela, país que enfrenta uma crise econômica e problemas graves na saúde pública.
Entretanto, especialistas afirmam que o aumento dos casos de sarampo em 2019 não tem a ver com a Venezuela. O estado mais atingido no surto deste ano foi São Paulo, uma das principais portas de entrada de viajantes internacionais no Brasil e conexão para países sul-americanos.
"A epidemia aqui em São Paulo começa, provavelmente, porque a gente ainda tinha muito sarampo em vários países do mundo inteiro, incluindo Europa e Estados Unidos. E lógico, a porta de entrada do nosso país é aqui, o município de São Paulo, pelo fluxo de pessoas que entram e saem aqui do nosso estado. Então, a partir daí, entra um vírus de muito fácil transmissão, que consegue infectar 95 em cada 100 pessoas que tiveram contato com ele [se não estiverem vacinadas]", observa a infectologista Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Professor Fernando Bellissimo, do Departamento de Medicina Social da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, destaca ainda o fato de que o Brasil "retrocedeu algumas décadas" na imunização contra o sarampo. Ele ressalta que na década de 1990, o país conseguiu atingir quase 100% de cobertura vacinal.
"De uns tempos para cá, nossa cobertura vacinal contra o sarampo caiu mais de 20%. Isso enfraqueceu a nossa blindagem, nos tornando suscetíveis à importação de sarampo. Tivemos casos importados da Europa, por exemplo, onde há um movimento anti-vacinal muito forte."
O resultado foi que apenas o estado de São Paulo confirmou, até o fim de novembro deste ano, 12,7 mil casos de sarampo, mais do que o total registrado no surto em todo o país em 2018. Em março, o Brasil perdeu o certificado de país livre da circulação do sarampo.
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Os números nacionais de 2019, no entanto, ainda estão discrepantes — com cerca de 11,9 mil casos confirmados em todo o território nacional até 9 de novembro. Foram contabilizadas pelo menos 15 mortes de sarampo em todo o país, sendo 14 em São Paulo. Metade das vítimas eram menores de cinco anos.
A infectologista do Emílio Ribas ressalta que os meses de "julho, agosto e setembro foram bem catastróficos em termos de transmissão" no estado de São Paulo.
"Foram feitas várias mudanças no calendário [das campanhas de vacinação] para tentar frear a multiplicação do número de casos. E essas ações foram efetivas no estado de São Paulo, porque se você ver a população que tem no estado [45,5 milhões de habitantes], o número de casos confirmados é muito menor do que a gente poderia imaginar em modelos matemáticos."
Os cálculos, acrescenta a imunologista, previam que até 100 mil pessoas poderiam ter sido infectadas pelo sarampo em São Paulo se não houvesse ações de bloqueio (vacina em locais onde ocorreram casos) e prevenção (campanhas).
"Teríamos um número de pessoas muito maior com a doença e, eventualmente, hospitalizando e morrendo."
Especialistas ouvidos pelo R7 observaram ainda que o fato de a população entre 20 e 29 anos fazer parte de um grupo que não tinha tomado a segunda dose da vacina no sarampo, o que aumentou a vulnerabilidade desse grupo.
Essas pessoas normalmente não têm complicações em decorrência da doença, mas o grande problema, avaliam, é que transmitem o vírus a outros que eventualmente estão mais vulneráveis, como idosos, bebês e grávidas.
A epidemia está controlada?
Embora se observe uma curva descendente de casos em São Paulo, ainda é cedo para falar que o sarampo está sob controle no país, segundo médicos ouvidos pela reportagem.
"Daqui a para a frente, a gente tem que manter a conscientização. Por um lado, o fato do vírus ter circulado fortemente na nossa cidade [São Paulo], fez com que muita gente naturalmente tivesse se protegido", explica Rosana, ao exemplificar que pessoas que tiveram sarampo uma vez ficam imunizadas. Segundo ela, há pessoas que pegaram a doença, mas não tiveram sintomas.
A infectologista ressalta ainda que "é possível controlar a doença, desde que se tenha altas coberturas vacinais".
"Nós estávamos há 20 anos sem sarampo em São Paulo. Se a gente não conseguir [vacinar as pessoas], é muito provável que tenha nova epidemia [no futuro]. Então, é fundamental sempre falar do assunto, porque quando a gente não fala de sarampo — e nos últimos anos a gente falou pouco sobre isso — pode acontecer o que aconteceu. Muita gente não sabia nem o que era o sarampo."