Pessoas ligadas ao PMDB alertam que Temer enfrentará uma série de obstáculos para tentar realizar reformas mais profundas
REUTERS/Ueslei MarcelinoO vice-presidente Michel Temer está reunindo silenciosamente uma equipe de economistas respeitados para restaurar a confiança na economia brasileira, com cortes de gastos cautelosos e privatizações caso a presidente Dilma Rousseff sofra um impeachment, o que o levaria à Presidência, disseram pessoas com conhecimento do assunto.
Temer pode assumir o governo interino já em maio, caso a Câmara dos Deputados aprove a abertura de um processo de impeachment e o Senado siga a decisão da Câmara, mas pessoas ligadas a seu partido, o PMDB, alertam que o vice de 75 anos enfrentará uma série de obstáculos para tentar realizar reformas mais profundas, que afirmam ser necessárias para reequilibrar a economia. Temer só será efetivado no cargo caso o Senado decida cassar Dilma.
A pior recessão enfrentada pelo Brasil em décadas tem limitado o espaço para cortes mais drásticos de gastos para conter o déficit orçamentário e as diferenças internas do PMDB, partido presidido por Temer, complicariam a busca por consensos em temas como a reforma da Previdência.
"O País está no caos, quebrado. Há uma revolta muito grande da população, e a gente vai ter que fazer reformas e mudanças", disse o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).
— E só se consegue isso se for dentro de um governo de coalizão. O Michel Temer concorda que tem que ser um governo de coalizão com nomes respeitáveis.
O PMDB, maior partido do Brasil, é um grupo dividido sem uma ideologia clara. O partido não tem candidato a presidente há duas décadas e tradicionalmente tem usado seu tamanho em coalizões de governos para a obtenção de cargos.
Para complicar o cenário, várias figuras importantes do PMDB foram citadas nas investigações da operação Lava Jato, que apura um esquema bilionário de corrupção na Petrobras, e o próprio Temer pode ser cassado caso o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aponte que a campanha eleitoral de Dilma em 2014 foi financiada por dinheiro de corrupção.
Cientes do complicado cenário político que podem herdar caso Dilma sofra o impeachment, fontes do PMDB próximas a Temer dizem que ele tentará obter apoio no Congresso para realizar cortes cuidadosos nos gastos e na burocracia que afetam os negócios, assim como a privatização de subsidiárias da Petrobras.
Autoridades do PMDB estão considerando os ex-presidentes do Banco Central Henrique Meirelles e Armínio Fraga, ambos respeitados pelo mercado financeiro, para liderar uma eventual futura equipe econômica no comando do Ministério da Fazenda, de acordo com um líder partidário e um consultor político ligados a Temer.
Um porta-voz de Meirelles disse que ele não comentará rumores sobre uma possível nomeação. Fraga não respondeu a um e-mail pedindo que ele comentasse o assunto.
Sob a liderança de Temer, o PMDB publicou em outubro uma plataforma econômica liberal, amplamente vista como um ponto de virada na aliança de mais de uma década com o PT e como uma sinalização para a oposição para formar um governo caso Dilma caia.
Intitulado "Ponte para o Futuro", o plano argumenta que o modelo do PT de crescimento impulsionado pelo consumo — por meio de gastos estatais e programas de bem-estar social-- está falido e que a competitividade brasileira precisa ser impulsionada pelo investimento privado, reformas no sistema previdenciário e cortes nos gastos públicos.
Com a ampla expectativa de que Dilma sofra o impeachment no Congresso, a oposição está ansiosa para reverter algumas das políticas petistas. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), prometeu na terça-feira apoiar um governo de transição liderado por Temer que reequilibre as contas públicas e restabeleça o crescimento econômico.
As esperanças de que um novo governo possa combater a inflação de dois dígitos registrada no ano passado e reduzir o déficit fiscal de quase 11% do PIB (Produto Interno Bruto) levaram a uma valorização dos ativos brasileiros nos mercados financeiros nas últimas semanas.
Mas o responsável por coordenar o programa econômico de Temer, Wellington Moreira Franco, disse à Reuters que não haverá cortes em programas sociais-chave, como o Bolsa Família.
Fontes com conhecimento do cenário político afirmam que a alta nos mercados financeiros superestima a capacidade de Temer realizar as reformas necessárias para reativar a economia em um Congresso dividido entre 28 partidos.
"Existe um exagero no mercado", disse Samuel Pessoa, economista que foi conselheiro de Aécio na campanha eleitoral de 2014 contra Dilma.
— As pessoas estão superestimando a capacidade de um governo Temer de arrumar a casa.
Busca por consenso
Temer foi três vezes presidente da Câmara dos Deputados e construiu uma reputação de moderação e construção de consensos. Ele já está em negociações com partidos da oposição, como PSDB e o DEM, para conseguir o apoio deles em um eventual governo.
Apesar disso, parlamentares do próprio PMDB votaram nos últimos anos a favor de projetos que elevaram os gastos públicos em setores como a saúde e rejeitaram esforços para reverter as caras desonerações dadas a alguns setores da economia.
Pessoas que já trabalharam próximas a Temer afirmam que ele se concentrará em medidas mais imediatas e moderadas para retomar a confiança, em vez de buscar reformas mais ambiciosas e polêmicas.
"O foco dele vai ser estabilizar a economia, transmitir credibilidade externa para recuperar a nota de crédito e reverter o ciclo de desemprego e inflação", disse Thiago de Aragão, um estrategista político que trabalhou com Temer no ano passado.
Um economista, que pediu para não ser identificado para que pudesse falar livremente e participou da elaboração da "Ponte para o Futuro", disse que o PMDB está trabalhando em um plano para os programas sociais, mas ficará distante de propostas específicas para evitar a irritação da classe trabalhadora antes das eleições presidenciais em 2018.
— É um documento muito geral. Se for muito específico, será interpretado como redução de benefícios, o que é politicamente sensível.
O economista disse que outro item que pode estar na agenda do PMDB é aprofundar o plano de 15 bilhões de dólares em vendas de ativos da Petrobras para incluir a privatização de outras subsidiárias, incluindo a Transpetro e a BR Distribuidora, para evitar um custoso resgate governamental.
Isso, no entanto, deve enfurecer sindicatos e o PT, que já se opõem a desinvestimentos da estatal. Quaisquer tentativas de reformar benefícios previdenciários e trabalhistas também devem gerar protestos e as tensões podem explodir se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva for preso na Lava Jato.
"Vai ser complicado nas ruas, especialmente se o Ministério Público atuar contra o Lula", disse o cientista político David Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília).
— Recuperar a economia vai ser uma missão quase impossível para Temer.
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