Civis carregam manifestante ferido em meio aos protestos de outubro no Chile
REUTERS/Ivan Alvarado/11.11.2019Milhares de denúncias contra as forças de segurança por violações de direitos humanos durante os protestos no Chile permanecem sem solução um ano após os protestos de outubro de 2019, que levaram as vítimas a exigir justiça e celeridade nas investigações.
Quase 12 meses se passaram desde que o estudante equatoriano Romário Veloz foi assassinado durante uma manifestação em La Serena, no norte do Chile, pelas mãos de um militar, e só agora o Ministério Público solicitou a formalização de um capitão do Exército como supostamente responsável por ordenar os tiros que acabaram com sua vida.
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"Achei que com a morte de meu filho a história terminasse, mas foi aí que minha provação começou", reconheceu a mãe do jovem, Mery Cortez, à Efe.
A morosidade judicial desta semana levou a valente mãe a marchar pelas ruas de Santiago e se despir em frente ao La Moneda para mostrar uma mensagem pintada em seu peito: "Justiça para Romário".
"Um homem ferido caiu diante dele, deveriam ter parado de atirar, mas continuaram atirando e meu filho ficou com a parte mais feia", lamentou.
Soma-se ao caso Veloz o de outras 4.681 vítimas de supostas violações dos direitos humanos por policiais e militares, segundo dados do Ministério Público.
Porém, dos milhares de processos abertos desde o início da atual crise social, a mais grave em três décadas de democracia, apenas 66 agentes foram formalizados, que se encontram em medidas cautelares.
Pelos menos 460 pessoas perderam a visão em 3 meses
Alberto Valdes/ EFE - 12.11.2019Em relação às 460 lesões oculares relatadas pelo independente Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), pelo menos dois policiais foram acusados, os agentes que teriam deixado Fabiola Campillai e Gustavo Gatica cegos.
Seus casos circularam pelo mundo e serviram para denunciar o elevado número de olhos mutilados nas passeatas, que começaram como um protesto contra a alta da passagem do metrô e se tornaram um clamor popular por um modelo socioeconômico mais justo.
A diretora da Coordenadoria de Vítimas de Trauma Ocular durante o surto social, Marta Valdés, explicou à Efe que esses dois casos são "exceções" e que "não foi feita justiça" com as demais violações de direitos humanos.
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Para Sergio Micco, diretor do INDH, instituição que acompanha os protestos desde seu início, "os números falam por si" e o andamento das investigações "não avança".
Durante a Assembleia Geral da ONU em setembro passado, o presidente chileno, o conservador Sebastián Piñera, garantiu que seu governo fará "todos os esforços para garantir que não haja impunidade, nem para os violadores dos direitos humanos nem para os ativistas violentos".
No entanto, Micco disse à Efe que "o compromisso de que não haverá impunidade se expressa com o aumento dos recursos para o sistema processual" e com a "reforma integral do órgão dos Carabineros", algo que "ainda não aconteceu".
Entre as razões do limitado andamento judicial, argumentou o governante, destacam-se os problemas estruturais do sistema processual chileno, que apresenta um "baixo nível de eficiência" e a "insuficiente" resposta do Governo à sobrecarga do sistema, que se agravou com a pandemia da covid-19.
Desde a chegada do coronavírus ao sul do país em março passado, as audiências judiciais foram reduzidas a um terço, o que desacelerou "ainda mais" as investigações.
Processos contra carabineros não avançam na justiça
Jose Luis Saavedra/REUTERS/02/03/2020Para Erika Guevara, diretora para as Américas da Anistia Internacional (AI), a pandemia é uma "desculpa", já que "historicamente as denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelos Carabineros são pouco investigadas".
“Não há promotores dedicados exclusivamente às violações dos direitos humanos e não há policiais suficientes para investigar esses crimes”, acrescentou à Efe Lucía Dammert, analista de segurança da Universidade de Santiago do Chile.
Diversas organizações de direitos humanos levantaram a necessidade de utilizar recursos especiais para fortalecer a Polícia de Investigação (PDI), única força policial encarregada de investigar esse tipo de crime, e aumentar os recursos para o Ministério Público.
"Justiça, verdade e reparação às vítimas é o melhor remédio para um país ferido", concluiu Guevara.