Dificuldades para dormir, pernas agitadas, dores de cabeça e queda de cabelo são alguns dos principais sintomas da ansiedade, que se tornou a palavra de 2024, segundo um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Ideia com a empresa de marketing Cause e o aplicativo PiniOn. A doença se junta a outros transtornos mentais, como a depressão, que afeta mais de 300 milhões de pessoas e foi considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) o mal do século 21.
Porém, existem algumas formas de passar por essas questões com mais conforto. Além dos remédios e das terapias convencionais, a interação com os animais se apresenta como uma boa forma de deixar o dia mais leve.
Um estudo publicado pela Frontiers in Public Health, em 2023, feito em Portugal, mostrou que a relação com os pets podem influenciar positivamente na saúde mental e na qualidade de vida dos humanos.
O adestrador e comportamentalista de animal Fernando Lopes conta, em entrevista ao R7, que teve uma experiência durante a pandemia de Covid-19 que comprova a pesquisa. “Eu tenho uma cachorra jack russel, que é uma raça muito ativa, e que quando eu tive um burnout, apenas por ter visto o meu estado emocional, ela se tornou uma terapeuta para mim”, diz.
Jean Luca Lunardi, psicólogo especialista em terapia cognitivo-comportamental e professor da Universidade Cruzeiro do Sul, afirma que isso acontece porque o contato do homem com o animal que ele gosta, aumenta o nível de ocitocina no corpo. A ocitocina é um hormônio produzido pelo cérebro diretamente relacionado com sensações de bem-estar.
Ou seja, quando a pessoa se sente bem, com algum tipo de prazer ou cheio de amores para dar, esse neurotransmissor cresce um pouco.
“Eu sou apaixonado por cachorros e quando estou perto deles, meu nível de ocitocina fica alto. Assim, o cortisol fica baixo e minha saúde mental fica melhor”, exemplifica.
O cortisol é outro neurotransmissor. Ele, ao contrário da ocitocina, regula o humor, a motivação e o medo. Ou seja, se um está elevado, o outro está baixo.
Lunardi explica ainda que, além da relação diária com os animais domésticos, os bichinhos podem ser indicados e prescritos por médicos para ajudar nos tratamentos de estresse, ansiedade, depressão, TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). As prescrições podem acontecer de duas maneiras: a adoção de um pet de apoio ou suporte emocional e a TAA — Terapia Assistida por Animais).
Pet de apoio emocional
Os animais de apoio emocional são aqueles que auxiliam pessoas com transtornos mentais. Para isso, eles precisam passar por longos treinamentos que ensinam os pets a focarem a atenção no humano que estão cuidando. Assim, se alguém tentar interagir, o bicho não responderá.
O psicólogo avalia que é um processo longo, demorado e caro, mas para os pacientes que precisam é uma ótima saída. “É possível treinar um animal a perceber nuances do comportamento humano, que chamamos de estímulos discriminativos. Por exemplo, o paciente vai emitir um determinado comportamento que vai acolher uma crise emocional. Então, tem que ter uma seleção muito boa e um treinamento muito forte.”
Lopes diz que é necessário fazer uma avaliação criteriosa do animal e que, muitas vezes, ele é testado assim que nasce. “Na maior parte das vezes, esses cães são escolhidos enquanto eles ainda mamam. Com dias de vida, o adestrador começa a massagear a patinha dele enquanto ele bebe leite. Aqueles que têm uma reação mais impulsiva, já não podem exercer a função.”
“Ter um pet de apoio emocional favorece a manutenção dessa saúde física e mental.”
Diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e transtorno de stress pós-traumático, a veterinária Letícia Alves, de 34 anos, é um exemplo funcional dessa proposta.
Ela conta que depois de algumas fortes crises de pânico, seus médicos concluíram que um pet de assistência seria uma ótima opção para acalmá-la e ajudá-la a passar pelos momentos de desregulação.
Letícia frisa que a adaptação de Jackson para o serviço de suporte aconteceu porque ela já tinha contato com animais e supria uma relação de afeto muito forte por eles.
“Para recomendar uma pessoa a adotar um pet que possa fazer esse apoio emocional, temos que entender a situação em que ela vive e como aquilo pode afetá-la. Porque um bichinho pode agravar alguns quadros de estresse, por exemplo. Por isso, é importante entender se o paciente tem alguém para dar suporte quando for necessário. Se ele está com crises frequentes e o animal causar mais estresse, pode ser que a situação só piore”, psicólogo Jean Luca
A bióloga Danielle Cristo é outra paciente que se beneficiou desse apoio. Ela conta que sua psicóloga indicou esse tipo de abordagem após sofrer com crises de pânico e momentos de ansiedade fortes.
“Quando eu estava com o Prince, meu golden retriever, eu me acalmava. Então, fui pesquisar e vi que nos Estados Unidos isso é lei. Viajei para estudar e entender como funcionava, trouxe aquele conhecimento para o Rio de Janeiro e adaptei. Consegui entrar em contato com a então deputada estadual Marina Rocha, escrevi um projeto de lei, ela gostou e defendeu ele até virar lei aqui”, conta.
“Não é uma frescura, é uma necessidade.”
A ideia de escrever uma lei veio de uma necessidade muito particular de Danielle. Ela explica que, quando voltou para o Brasil, conseguiu a liberação para ir trabalhar com seu pet. Porém, o problema surgiu no deslocamento para o trabalho. Como ela conseguiria levar o cachorro no transporte público?
Prince morreu durante o processo de regulamentação e Danielle sofreu muito.
Depois de quase um ano sem um bichinho, Rudá entrou na vida de Daniella e se tornou o primeiro cão do Rio de Janeiro a conseguir a certificação de suporte emocional com a lei pensada pela tutora.
Agora, ela ajuda outras pessoas a conseguirem o mesmo suporte que ela tem no dia a dia. “Hoje, temos quase 200 cães cadastrados no Rio e estamos com um texto sendo preparado para nível federal lá em Brasília”, diz.
“Cães se aproximam, porque sentem a fragilidade dos humanos. O cão perfeito para esse ‘trabalho’ percebe isso antes do treinamento.”
Porém, Lopes explica que não é todo cão que funciona nesse tipo de regulação emocional. Segundo ele, para chegar ao ponto de ser um pet efetivo para o serviço, é preciso passar por treinamento intenso, composto por muitas etapas.
“A primeira parte desse treinamento é adestrá-lo e depois precisa colocá-lo em situações para ver como ele reage, usando métodos. É como um cão farejador ou de suporte para pessoas com deficiência visuais. Eles são condicionados a isso”, detalha.
Não são apenas cães que podem ajudar no dia a dia dos humanos. Algumas pessoas adotam peixes, coelhos e gatos. Theo é filho da Letícia e, assim como ela, é TEA e tem como seu fiel escudeiro o Olaf, um gato de apoio emocional.
“Depois que o Jackson começou a fazer parte da nossa vida, pensei que meu filho também poderia ter um cão de assistência. Mas o meu treinador me trouxe para a realidade, mostrando que não teria como eu sair com dois cachorros e duas crianças sozinha. Por isso e pelo fato do meu filho não precisar de um cachorro de ancoragem, ele indicou que adotássemos um gato. Hoje em dia, até brincamos, aqui em casa, que eles são os únicos que se toleram, porque o animal tem tanta atenção que quando meu filho está, ninguém aguenta”, explica.
É importante destacar que nem sempre a relação pet de apoio e tutor dá certo, como no caso de Theo e Olaf.
Por isso, Lunardi recomenda um teste de até quatro meses. “Não existe um protocolo, são tentativas. Se a pessoa está cuidando o pet certinho, mas o estresse, a ansiedade e as outras questões não foram reguladas em três ou quatro meses, mostra que não tá funcionando.”
Terapia Assistida por Animais
O TAA é uma terapia complementar que auxilia os psicólogos a entenderem o momento de vida de seus pacientes por meio da interação entre humanos e animais e, assim, ajudá-los.
A psicóloga especialista em terapia assistida por animais, Angeline Uenoyama, da clínica Ápice, detalha esse processo.
A psicóloga Vanessa Senatori comenta uma melhora significativa apresentada em uma paciente idosa após adaptarem esse tipo de encontro animal durante os seus bate-papos semanais.
O contato com a calopsita Jung permitiu que ela falasse com mais facilidade sobre o que vivia, sem se sentir julgada.
“Eu tinha uma paciente idosa, que apenas com a terapia convencional, não estava respondendo ao tratamento. Quando levamos ela para ter contato com os animais, ela começou a querer vir para cá pelos animais. Ela criou um vínculo muito grande com a calopsita. Com isso, a gente percebeu que os bichinhos ajudaram muito nesse processo e ela começou a sair do quadro depressivo e melhorar a autoestima”, conta Vanessa Senatori, psicóloga da clínica Ápice.
Os formatos mais conhecidos do TAA envolvem cães e cavalos, como a equoterapia, descrita pelo fisioterapeuta Pedro Curvacho Duduch, responsável pela ONG Equoterapia Transformar.
“O cavalo consegue proporcionar movimentos de reabilitação únicos, que são o longitudinal, o ântero-posterior e o colateral lateral. Usamos aqui tanto com o paciente montado sozinho, quanto em montaria dupla, o qual é o fisioterapeuta e o praticante juntos. Tudo dependerá do diagnóstico.”
Mas outros animais também podem participar desse tipo de tratamento. Angeline e Vanessa explicam que parte do método está relacionado com sensações táteis, ou seja, o pelo do bicho relacionado ao seu temperamento ajuda no desenrolar da sessão.
“Independentemente da relação, os animais cuidam das pessoas todos os dias. Os benefícios do contato com os bichinhos são inúmeros”, finaliza o Fernando Lopes.
- Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
- Reportagem: André Barbeiro
- Editora: Carla Canteras
- Coordenação de Arte: Adriano Sorrentino
- Arte: Sabrina Cessarovice
- Gerente de Produção Audiovisual: Douglas Tadeu
- Coord. de Vídeo e Prod. de Conteúdo: Danilo Barboza
- Coord. de Conteúdo Multiplataforma: Julia de Caroli
- Produção Audiovisual: Ellen da Silva e Guilherme Estevam Silva
- Operação de Captação Audiovisual: Guilherme Cabral
- Edição e Finalização: André Ayres