O principal meio de escoamento da produção do Polo Industrial de Manaus é o transporte fluvial. Pelos rios da capital do Amazonas, passam a produção das cerca de 500 empresas nacionais e internacionais da Zona Franca. Com as hidrovias, há menor consumo de combustível e baixa taxa de emissões de gases de efeito estufa, mas esse meio de transporte tem sido castigado em função das mudanças climáticas, como a seca histórica de 2024. Isso afeta diretamente a logística de distribuição das empresas, que passaram a incluir no orçamento custos com a chamada “taxa da seca”, cobrada pelas embarcações para compensar as despesas de transportar os produtos quando o nível dos rios está muito baixo.
Os armadores, que fazem o transporte dos produtos, cobram taxas que podem chegar a US$ 5.500. As estimativas apontam para um impacto de R$ 1,4 bilhão em 2024 para as indústrias que atuam na região.
Na solução desses reveses, especialistas miram as hidrovias, que receberam um olhar do governo federal neste terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que pretende investir R$ 4 bilhões nesse modal viário nos próximos dois anos.
Além disso, empreendimentos que podem elevar a riqueza amazônica foram incluídos no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A SECA
A Amazônia passou por uma das piores secas das últimas décadas em 2024. As consequências são severas e diversas para os moradores: crise no abastecimento de água para consumo humano, falta de alimentos, alta mortandade de peixes, isolamento de comunidades ribeirinhas, incêndios e dificuldades na pecuária e agricultura.
O período da estiagem ganha outras proporções com os efeitos das mudanças climáticas. Cientistas explicam que um dos fatores é o El Niño, fenômeno que afeta grande parte do clima de todo o mundo.
Além disso, o desmatamento provoca oscilação nos padrões e distribuição das chuvas. Especialistas estimam que a temperatura na região amazônica pode aumentar até 3ºC até 2050. Manaus registrou em 18 de setembro o dia mais quente de 2024, com os termômetros marcando 38,4ºC, de acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
As alterações causadas pela seca afetam também a logística fluvial, principal via de escoamento da produção das cerca de 500 empresas nacionais e internacionais da Zona Franca. O principal setor é o industrial, com a fabricação de equipamentos eletrônicos e motocicletas.
A TAXA DA SECA
Profissionais que atuam na região contam que os navios de médio e grande portes que transportam a produção não conseguem passar com plena carga nas águas durante a estiagem, o que desencadeia uma série de problemas. O principal destino da produção é o mercado nacional. E a seca afeta, por exemplo, os custos desse transporte país adentro e a segurança das mercadorias.
Se antes os produtos eram organizados em contêineres, hoje as companhias também utilizam caixas, barris e paletes para a distribuição, o que encarece a operação. Diante desse cenário, entram os armadores e a tal “taxa da seca”, com a justificativa de cobrir os custos extras.
“É alucinante. E a conta fica interessante. Se pegar as contribuições do PIS-Cofins [do estado] que vão para o Orçamento da União, paga todo o gasto e sobra. Então, a seca pode ser um bom negócio para o governo”, conta o professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e especialista em logística na Amazônia, Augusto Rocha.
Isso porque o sistema que vigora atualmente funciona da seguinte forma: os portos são administrados, em sua maioria, por instituições públicas. A Companhia das Docas é o órgão administrador, que providencia os serviços portuários. Em eventual necessidade de uma dragagem, por exemplo, o processo é feito via licitação.
Então, na prática, as atividades são arrendadas para o setor privado. E existem ainda aqueles portos integralmente controlados pelas empresas. Nos rios, a cabotagem é o principal tipo de navegação, seguida pela de longo curso e navegação interior.
UMA HIDROVIA NO FIM DO RIO
Um dos desafios impostos pela seca, a taxa da seca e a falta de infraestrutura é pensar em soluções sustentáveis nessa área, como as hidrovias.
Segundo Rocha, o modal é uma oportunidade para os portos. Para ele, cada lugar que produz itens e bens deveria contar com portos e retroportos para armazenar os produtos e contribuir com a logística de distribuição.
O que não dá para depender, diz o professor, é de rodovias como a BR-319, uma das obras mais famosas da região amazônica. O projeto é de 1968, com o primeiro trecho inaugurado em 1976. Porém, as construções foram deixadas de lado por volta de 1990. A falta de investimento fez com que o local fosse apelidado de “rodovia fantasma”.
No último setembro, o governo federal anunciou a retomada do empreendimento, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). É a única via terrestre nos estados de Rondônia e Amazonas que permite acesso às demais regiões do país. Para combater, mesmo que pouco, esse isolamento, o Executivo vai pavimentar do km 198 ao km 250, ao preço de R$ 157 milhões.
O pedaço, que fica antes do Trecho do Meio, é conhecido como Trecho C ou Lote Charlie e visa dar mais rapidez no acesso aos suprimentos para os mais de dois milhões de manauaras.
“É impossível que uma obra resolva o problema de uma região. Só o Amazonas é do tamanho do Nordeste inteiro. Não tem como a rodovia BR-319 resolver a falta de infraestrutura. É importante, mas também temos outras necessidades, como a manutenção das hidrovias navegáveis o ano inteiro e a transformação do rio em hidrovias”, afirma Rocha.
Segundo ele, contudo, não há investimentos para isso no momento, o que acentua a assimetria a cada ano. “Não há investimento para correção do déficit de infraestrutura. E vale dizer que é equivocado o debate entre infraestrutura e meio ambiente. É como se fossem antagonistas. Não são”, completa.
O POTENCIAL DAS HIDROVIAS
A gestão das hidrovias é de competência da União. Atualmente, o Brasil tem 20 mil quilômetros de hidrovias economicamente navegáveis, e, desse total, a região amazônica abriga 16 mil km, cerca de 80% do total navegável do país, transportando quase 10 milhões de passageiros por ano.
De acordo com um estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte), o Brasil tem potencial para explorar 63 mil km da malha hidroviária, ou seja, dois terços não são utilizados. O levantamento aponta, também, que o transporte de cargas pelo modal cresceu 34,8% entre 2010 e 2018.
Além disso, as hidrovias se destacam na área da sustentabilidade. Por exemplo, seriam necessários 258 vagões ou 515 carretas para transportar o equivalente a um comboio de barcaças.
Em 2022, a região hidrográfica que teve o crescimento mais expressivo de todo o país foi a amazônica. Dos 958 km de incremento no percurso nacional, 763 km eram do local. Os dados estão inseridos em estudo elaborado pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). O documento destaca que muitas localidades do Norte do país são acessíveis apenas por aeronaves de pequeno porte e pelos rios, o que eleva a relevância do modal em meio à maior floresta brasileira.
A principal via de transporte e escoamento de cargas no Norte é a HN-100 Rio Amazonas, por onde passa 65% de toda a produção da região. A hidrovia tem 1.646 km de extensão, abarcando as bacias dos rios Foz do Amazonas, Jatapu, Madeira, Negro, Paru, Tapajós, Trombetas e Xingu. Em determinada altura, ela se encontra com a hidrovia do Solimões.
No ano passado, pouco mais de 126 milhões de toneladas de cargas foram movimentadas por hidrovias, sendo que quase 79,3 milhões passaram por rios da região amazônica. A floresta abriga dois terços de todo o transporte fluvial brasileiro.
UMA SECRETARIA PARA CHAMAR DE SUA
A falta de políticas públicas voltadas para o tema, entretanto, deu a aparência de que o Executivo não dava a importância necessária ao assunto. Tanto que a primeira vez em que se criou uma secretaria dedicada exclusivamente ao desenvolvimento de hidrovias aconteceu em 8 de abril de 2024.
Agora, a pasta comandada por Dino Antunes Dias Batista tem a responsabilidade de analisar a questão e propor e realizar melhorias. O setor vê a medida como fundamental para colocar a navegação pelos rios dentro da agenda política nacional.
Nesse sentido, o Ministério de Portos e Aeroportos, chefiado por Silvio Costa Filho, sinalizou entendimento da necessidade de investimento na área, tanto pelo olhar da sustentabilidade quanto da rentabilidade, ou seja, na redução de poluentes no meio ambiente e na diminuição dos custos logísticos.
O governo federal pretende investir no setor de hidrovia pouco mais de R$ 4 bilhões, no contexto do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), até 2026.
*O repórter viajou a convite do CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).

- Reportagem: Plínio Aguiar
- Imagens: Plínio Aguiar
- Edição: Leonardo Meireles, Augusto Fernandes, Bruna Lima e Thays Martins
- Arte: Luce Costa