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Notícias|Giovana Cardoso, do R7, em Brasília

Em meio ao esforço do governo em avançar com a transição energética, o Brasil enfrenta dilemas para fazer com que a indústria se desenvolva sem causar impactos ambientais. Apesar do objetivo de descarbonizar e aumentar o uso de energias renováveis, a transição energética exige altos investimentos em mineração, em especial na extração de materiais como lítio, níquel e cobre. Para especialistas ouvidos pelo R7, o país lida com diversos gargalos para que essa mudança seja feita de maneira sustentável e eficiente.

Os minerais de transição são essenciais para a produção de tecnologias limpas, como turbinas eólicas e baterias de veículos elétricos. Caso feita em excesso, a exploração das substâncias, encontradas principalmente em rochas e no solo, pode prejudicar a biodiversidade, lançar gases de efeito estufa e violar leis dos direitos humanos.


Para o diretor do Observatório da Mineração e mestre em desenvolvimento sustentável, Maurício Angelo, não existe mineração sustentável. “Não dá para falar que a mineração é sustentável, porque é uma atividade essencialmente que extrai recursos finitos, que geram um impacto ambiental muito grande, um dano que é irrecuperável na maior parte dos casos”, diz.

Apesar de as fontes renováveis serem mais sustentáveis quando comparadas às fósseis, o processo para obtenção da matéria-prima que produz a energia continua carbonizado. O geólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) Colombo Tassinari entende que os países devem focar em diminuir a emissão de gases de atividades que vão gerar insumos para as energias renováveis.


“O grande problema é que estamos observando hoje um grande crescimento do número de carros elétricos no mundo, grande crescimento da implantação de energia solar, de energia eólica, e teoricamente, com esse avanço todo, a gente deveria ter um decréscimo das emissões de dióxido de carbono [CO2], mas não é isso que está ocorrendo. Apesar desse crescimento todo das energias renováveis, as emissões continuam aumentando, e uma das causas desse aumento é que o processo de obtenção da matéria-prima não está descarbonizado”, comenta Tassinari.

No cenário mundial, o Brasil se destaca entre os países que mais avançam na implementação de ações para a transição energética. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, a nação está na 12ª posição no Índice de Transição Energética, ocupando o primeiro lugar entre os países emergentes, e o terceiro, entre os integrantes do G20.


A crescente demanda global por minerais tem potencial significativo para promover o progresso social e econômico, no entanto, se não for administrada de forma responsável, pode agravar violações e abusos de direitos humanos, conflitos, violência e danos às comunidades.

Nações Unidas

Em 2023, por exemplo, 49,1% da matriz energética brasileira era de fontes renováveis, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. Apesar disso, alguns setores ainda se veem dependentes do uso de combustíveis fósseis, como a indústria e transporte.

Movimento global

Embora os efeitos da mineração sejam um desafio, as fontes renováveis ainda causam menos efeitos negativos quando comparadas aos combustíveis fósseis. Olhando para o setor do transporte, por exemplo, os veículos elétricos na Europa podem emitir uma média entre 66% e 69% menos gases de efeito estufa em comparação aos veículos movidos a combustão interna (abastecidos com gasolina ou etanol), de acordo com o Conselho Internacional de Transporte Limpo.

Apesar da maior intensidade mineral das tecnologias de energia renovável, a escala das emissões de gases de efeito estufa representa uma fração das tecnologias de combustíveis fósseis. No entanto, as pegadas de carbono e materiais não podem ser ignoradas.

Banco Mundial

Em um contexto ambiental, ao menos 195 países se comprometeram em reduzir o uso de combustíveis fosseis durante a COP 28, realizada em Dubai em 2023. Com isso, as nações concordaram em aumentar a capacidade global de energias renováveis, o que consequentemente gera um aumento na demanda por minerais críticos de transição, que pode triplicar até 2030 e quadruplicar até 2040, segundo estimativas das Nações Unidas.

A corrida para cumprir as metas do Acordo de Paris acelera o empenho para reduzir a dependência de combustíveis fosseis, principais causadores do aquecimento global. Nesse contexto, lideranças globais pressionam cada vez mais por medidas que acelerem a transição energética, buscando substituir fontes de energia poluentes por opções mais sustentáveis.

Dilemas da transição energética

Em relatórios, organizações internacionais, como Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas, expressam preocupações com os possíveis impactos causados pelo excesso de mineração, sinalizando a necessidade da implementação de práticas e regulações que garantam a segurança do meio ambiente.

A ONU diz que a construção e produção de tecnologias de energia renovável, além da distribuição e armazenamento de energia, exigirão um aumento significativo de recursos minerais, como lítio, grafite e manganês. De 2018 a 2023, por exemplo, a oferta de níquel extraído aumentou em quase 1,5 vez, de 2,4 Mt para 3,5 Mt (megatoneladas).

Em complemento, a organização cita as preocupações ambientais que a mineração pode trazer, entre elas a alta demanda de água. Segundo as Nações Unidas, são necessários 2 milhões de litros de água para extrair 1 tonelada de lítio. Entretanto, segundo a entidade, “cerca de 50% da produção global de cobre e lítio estão concentrados em áreas com escassez de água”.

Com o crescimento da demanda dos minerais e os riscos da mineração ao meio ambiente, a indústria tenta uma solução para limitar a emissão de gases do efeito estufa durante o processo da transição energética. O professor de ESG de Mudanças Climáticas e Transição Energética da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Jonathan Colombo explica que o principal dilema é encontrar uma solução que permita a expansão do setor gerando o menor impacto possível.

“A nossa preocupação é baseada em como a gente consegue incentivar essa indústria para que ela se torne cada vez mais verde. Eu não gosto muito de usar esse termo ‘verde’, mas é o que tem se falado hoje no setor, você ter a mineração verde, o metal verde, que é aquele metal produzido com critérios de ESG [governança ambiental, social e corporativa] no seu processo. Então, você vai ter toda essa preocupação social no processo de extração, no respeito aos funcionários que estão trabalhando nas minas e também para utilizar o mínimo possível de energia não renovável nesse processo”, diz o professor.

Como alternativa para descarbonizar o processo para obtenção das matérias-primas, o professor Colombo Tassinari entende que deve haver um investimento em tecnologias CCS (Captura e Armazenamento de Carbono), ainda relativamente novas no mercado.

“Essa é uma das tecnologias, e até talvez a principal, que têm a capacidade de impedir que uma grande quantidade de CO2 vá para a atmosfera em um curto espaço de tempo. Daí a importância dessa tecnologia para a transição energética”, pontua.

Para o especialista, esse tipo de tecnologia deve ser implementada nas usinas de tratamento de minério para evitar que o CO2 emitido no local vá para atmosfera. Tassinari cita, ainda, o exemplo da China, que usa a eletricidade originária de termoelétricas a carvão para as atividades industriais, o que acaba gerando uma maior quantidade de gases.

“O conceito é tentar eliminar as emissões de CO2 na matéria-prima. Quando você me pergunta se o Brasil tem atividade de mineração suficiente, se vai precisar mais, se vai precisar menos, as tendências têm mostrado que, por exemplo, no caso de liquidificação de veículos, em 2050 vai faltar determinados tipos de minério para fazer as baterias de carros elétricos. Na produção mundial, não vai ser suficiente para atender a demanda. Em alguns outros metais será, mas outros, não”, alerta.

Se a mitigação de emissões e outros efeitos ambientais e sociais potencialmente prejudiciais não forem alcançados a partir do aumento da produção mineral, há um risco de que as tecnologias de energia limpa não mantenham o mesmo nível de apoio que têm hoje para a ação climática.

Banco Mundial

Além da mineração

Além da mineração, o descarte correto das matérias-primas de fontes renováveis também está entre os gargalos da transição energética. No caso dos carros elétricos, por exemplo, empresas tentam aumentar a vida útil das baterias e encontrar uma solução sustentável para reciclagem das peças, compostas por metais e componentes químicos que podem causar danos ao meio ambiente caso não descartadas corretamente. Para especialistas, com o aumento da demanda desses veículos, novas políticas deverão ser desenvolvidas para acompanhar o ritmo de descarte desses materiais.

“Por exemplo, as placas solares têm vida útil de 20 anos. Daqui a pouco, vão ter que começar a ser descartadas. E aí precisa de uma política para isso. Ou seja, é uma questão de régua”, explica Tassinari. Entre as fontes renováveis, a eólica também enfrenta desafios no processo de reciclagem. Embora a maioria das peças de uma turbina eólica possa ser reaproveitada, alguns dos materiais usados não têm a mesma facilidade.

Um estudo sobre tema realizado em 2017 pela Universidade de Cambridge estima que, até 2050, as turbinas eólicas vão gerar 43 milhões de toneladas de resíduos no mundo, materiais que terão que encontrar um destino.

No caso de um veículo elétrico, a Agência Internacional de Energia, ligada a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estima que o modelo use 173kg a mais de minerais quando comparado a um carro convencional. Entre os elementos estão o níquel, manganês e lítio. Apesar do potencial sustentável, os dados reforçam maior atenção em medidas de reciclagem dos elementos.

Os impactos sociais também pedem atenção. Um relatório do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade, vinculado às universidades federais de Juiz de Fora, Fluminense e de Viçosa, apontam possíveis violações de direitos de pequenos proprietários rurais, trabalhadores e comunidades tradicionais por causa da extração de minerais necessários para a transição energética.

De acordo com o documento, as principais violências provocadas pela extração de minerais da transição foram danos relacionados a violações diversas sobre o território e o patrimônio, ameaça de danos e poluição de água.

As ocorrências envolvendo pequenos proprietários rurais são, em maioria, sobre conflitos com mineradoras. Em relação aos trabalhadores, as principais ocorrências foram relacionadas à exploração de cobre, enquanto com os indígenas, pela exploração de lítio e cobre.

“Os dados de conflitos apontam para uma constante geração de danos ambientais e sociais da mineração nos territórios explorados. Desta maneira, compreender o debate da transição energética para além da mudança da base tecnológica, focada na redução da emissão de CO2, permite a reflexão sobre a intensidade de extração e como ela se relaciona aos níveis de consumo global. A economia de baixo carbono exige a expropriação de territórios, especialmente do Sul Global, onde os danos recaem sobre povos indígenas, quilombolas, pequenos agricultores e outros”, conclui o relatório.

  • Reportagem: Giovana Cardoso
  • Arte: Luce Costa
  • Edição: Augusto Fernandes
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