A escolha por se alimentar com produtos ultraprocessados, mais práticos e baratos, mas notoriamente conhecidos pelo baixo teor nutritivo, envolve muito mais do que força de vontade ou disciplina. Principalmente no Brasil, onde o alto consumo desse tipo de alimento está diretamente relacionado à vulnerabilidade de quem o adquire — segundo estudo de 2023 do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo. Não por acaso, a opção pelos ultraprocessados cresceu entre pretos e indígenas.
De acordo com uma pesquisa de 2022, realizada por uma parceria entre a USP, a Universidade Federal de São Paulo e a Universidade de Santiago no Chile, mais de 10% das mortes registradas no país em 2019 podem ser atribuídas ao consumo desse tipo de comida industrializada, conhecida por conter alto teor de açúcar, sal e gordura.
O número é um alerta da importância de uma mudança urgente nos hábitos alimentares dos brasileiros, já que nos últimos dez anos o consumo de ultraprocessados no Brasil aumentou 5,5%, ainda de acordo com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde.
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A assistente jurídica Daniela Marceli, 46 anos, é fã de uma lasanha congelada. Para ela, o principal motivo da escolha pela comida processada é a falta de tempo: “Você pega o transporte público e chega em casa tarde e cansada. Não tenho tempo de preparar uma refeição”.
Você pega o transporte público e chega em casa tarde e cansada. Não tenho tempo de preparar uma refeição
Ela diz ainda que os alimentos pré-preparados trazem uma sensação de “maior variedade” na alimentação. E conta que pensou em preparar marmitas, mas enfrentou desafios. “Moro em um apartamento e o congelador é pequeno. Seria bom ter um maior, para congelar o que eu for preparar.”
Segundo dados da Organização Mundial do Trabalho, 11% dos brasileiros estão submetidos a uma jornada que supera as 48 horas semanais, o que torna o fast-food a opção mais conveniente. Um estudo elaborado pela Kantar, por sua vez, aponta que 13,7 milhões de pessoas adotaram esse tipo de refeição no país no primeiro semestre de 2023. No mesmo período, em 2021, esse número havia sido de 9,9 milhões.
Luiza Vargas, 29 anos, especialista de planejamento estratégico, é um exemplo de quem se vira nos 30 para preparar suas próprias refeições, além de trabalhar, estudar e fazer exercícios. Para Luiza, esse planejamento é essencial para o seu bem-estar.
Percebo a influência da alimentação na minha disposição física. Quando fico uns dias fora da dieta, comendo fora do horário, sinto aquela fadiga
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“Percebo a influência da alimentação na minha disposição física. Quando fico uns dias fora da dieta, comendo fora do horário, sinto aquela fadiga”, diz.
Os números mostram que manter uma alimentação balanceada enquanto se executa as demandas do dia a dia não é tão simples.
“Se você passa muitas horas no transporte, não tem tempo para cozinhar. Aí, acaba optando, por exemplo, pela lasanha congelada, que é superbarata. Coloca ali três minutos e está quente”, diz Paula Johns, diretora da ACT Brasil, uma organização não governamental que promove a importância da alimentação saudável.
Aos ultraprocessados são incorporados conservantes, sais e açúcares, que causam prejuízos à saúde. E uma boa forma de ter conhecimento do que contém o pacote que está na prateleira do supermercado é estar sempre atento aos rótulos e às listas de ingredientes dos produtos.
Luiza conta que, ao mesmo tempo em que decidiu fazer escolhas mais saudáveis, começou a questionar os impactos do seu consumo no meio ambiente. “Foi nessa época, há oito anos, que me tornei vegetariana.”
O brasileiro come?
O acesso constante e permanente à alimentação de qualidade, definida pelo Ministério da Saúde como um direito, é chamado de segurança alimentar e nutricional.
A insegurança alimentar é a denominação dada ao estado em que se encontram os que têm quantidade e qualidade de comida reduzida. Ela é classificada em três categorias: insegurança alimentar leve, quando existe incerteza sobre a capacidade de conseguir alimento; moderada, quando a qualidade, a variedade e a quantidade ingerida se reduzem de forma drástica ou quando determinadas refeições não são realizadas; e grave, quando não são consumidos alimentos durante um dia inteiro ou mais.
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Dados do IBGE mostram que, em 2023, moradores de 27,6% dos lares brasileiros conviveram com algum grau de insegurança alimentar. Os números mais expressivos foram vistos nas regiões Norte e Nordeste, onde atingiram 3,6 milhões e 12,7 milhões de lares, respectivamente.
Nesse mesmo ano, a proporção de domicílios particulares em insegurança alimentar moderada ou grave nas áreas rurais foi de 12,7%, contra 8,9% nas áreas urbanas.
Existem regiões, chamadas “desertos alimentares”, que ilustram o tamanho dessa desigualdade. O termo, criado em 1995, é usado para descrever lugares onde os moradores não têm acesso nenhum a alimentos in natura ou minimamente processados — geralmente localizados em áreas rurais e periferias.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa de Consumidores mostra que, em São Paulo, nas regiões de média e baixa renda, existem 22 vezes mais estabelecimentos que vendem ultraprocessados do que os que comercializam alimentos in natura.
Mario Monzoni, professor da Fundação Getúlio Vargas, diz que isso ocorre porque a pessoa com menor poder de consumo busca o produto que vai durar mais na despensa, mesmopor mais que tenha baixa qualidade do ponto de vista nutricional.
Outra amostra do abismo social no país é o dado do Ministério da Saúde de que um em cada quatro adultos é obeso no Brasil. Em 2024, pela primeira vez na história, o índice de pessoas com sobrepeso ultrapassou o daquelas saudáveis. Em 20 anos, se as tendências atualis se mantiverem, 130 milhões de brasileiros viverão acima do peso, estima estudo apresentado no Congresso Internacional da Obesidade.
O editor de livros Ronaldo Couto, 69 anos, que precisou mudar os hábitos alimentares. Em 2023, ele foi diagnosticado com esteatose hepática, ou seja: gordura no fígado. Desde então segue uma dieta restrita, evitando ao máximo ultraprocessados e açúcares. Couto tem 1,75 m de altura e pesava 98 quilos. De lá para cá, perdeu 14.
“Não foi difícil mudar a alimentação porque, como dizem, a situação é que faz o ladrão. Eu precisava fazer isso. A informação do meu estado de saúde me fez tomar uma atitude. Hoje eu trabalho aqui no terceiro andar de um prédio, onde o elevador está quebrado. Então, subo dez, 15 andares de escada por dia e me sinto bem.”
Não foi difícil mudar a alimentação porque, como dizem, a situação é que faz o ladrão. Eu precisava fazer isso. A informação do meu estado de saúde me fez tomar uma atitude
A nutricionista Isabel Gianicchi explica que uma alimentação equilibrada oferece todos os nutrientes de que para o organismo tudo o que ele necessita, ou seja: é preciso consumir carboidratos, vitaminas, minerais, gorduras e proteínas. E lembra que a dieta deve ser personalizada, pois cada pessoa tem uma necessidade diferente. “A gente sempre fala, que, quanto mais colorido o prato, mais saudável ele é.”
Isabel diz que a mudança no paladar é essencial. Por isso que é preciso reforçar o consumo de alimentos saudáveis especialmente para as crianças. “Se você já vem com um paladar mais propenso a apreciar industrializados, acaba preferindo alimentos com excesso de sal e açúcar. Aí, quando você come um in natura, acha sem graça.”
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