Lava Jato termina 2016 com mais de 60 presos e futuro incerto
Aprovação da lei do abuso de autoridade poderá prejudicar trabalhos da força-tarefa
News|Do R7
Premiada internacionalmente como a principal iniciativa de combate à corrupção no mundo, a Operação Lava Jato continuou levando para a cadeia políticos e empresários em 2016.
O ano também foi de incerteza quanto à continuidade dela, uma vez que atitudes e diálogos de parlamentares e integrantes do governo indicavam a intenção diminuir o poder das investigações. Mas a força-tarefa se manteve e cumpriu (até 17 de novembro) 64 mandados de prisão e 85 conduções coercitivas (em que a pessoa é forçada a prestar depoimento).
Para uma parcela da classe política, a Lava Jato é um trem desgovernado, com arbitrariedades e violações de direitos. Em resposta a isso, a Câmara dos Deputados desfigurou o pacote de medidas contra a corrupção. Já para boa parte da população, é um remédio amargo, mas necessário. Resultado: milhões de pessoas foram às ruas em apoio à operação. Oito em cada dez brasileiros defendem a Lava Jato, segundo levantamento feito pela Ipsos no meio do ano.
O próprio juiz Sérgio Moro classificou a manobra que triturou o pacote anti-corrupção original como "emendas da meia-noite".
As delações premiadas de executivos e funcionários da empreiteira Odebrecht, incluindo a do próprio ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, deverão atingir membros do governo de Michel Temer e já fazem políticos temerem o que está por vir em 2017. Além das 80 delações, a própria construtora firmou um acordo de leniência, em que se compromete a colaborar com as investigações.
Recentemente, a empresa se comprometeu a devolver aos cofres públicos R$ 6,7 bilhões. Além disso, também pediu desculpas aos brasileiros pelas práticas de corrupção em que esteve envolvida.
O ano da Lava Jato foi agitado. Entre os presos mais importantes em 2016 estão: o ex-deputado Eduardo Cunha; o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral; os ex-ministros petistas Guido Mantega e Antonio Palocci; o ex-senador Gim Argello; os marqueteiros João Santana e Mônica Moura; e o dono da construtora OAS, Leo Pinheiro.
Incerteza e polêmicas
Uma semana após Michel Temer (PMDB) assumir como interino e nomear o senador Romero Jucá (PMDB-RR) como ministro do Planejamento, uma gravação envolvendo o aliado do presidente foi divulgada e criou a primeira grande crise de Temer.
Jucá fora flagrado em uma conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, supostamente, confabulando sobre como acabar com os estragos da Lava Jato. A divulgação do áudio custou o cargo ao ministro, que pediu afastamento.
Pouco tempo depois, outra gravação envolvendo ministro, dessa vez, Fabiano Silveira, da Transparência, Fiscalização e Controle. As conversas, também gravadas por Machado, mostram Silveira, antes de ser ministro, orientando senador Renan Calheiros (PMDB-AL) em processos da Lava Jato. Ele também abriu mão do cargo.
Henrique Eduardo Alves pediu demissão do Ministério do Turismo após aparecer na delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. O peemedebista do Rio Grande do Norte é acusado de receber R$ 1,5 milhão em propina.
A possibilidade de interferência na Lava Jato sempre foi publicamente descartada por Temer e por parlamentares. Porém, com as mudanças no projeto de lei que pretendia endurecer as penas para casos de corrupção, deputados incluíram uma lei de abuso de autoridade que foi malvista por magistrados e membros do Ministério Público. O texto aprovado abre brecha para quem um réu processe o juiz em casos de interpretações diferentes da legislação.
A força-tarefa da Lava Jato reagiu e ameaçou paralisar os trabalhos. A sociedade cobrou respostas dos políticos e o regime de urgência no Senado não prosperou. No ano que vem, a Casa deverá analisar o tema em uma comissão.
Grupos que organizaram os protestos anti-Dilma foram às ruas pela primeira vez no governo Temer, em 3 de dezembro, para exigir a continuidade da Lava Jato e o fim da corrupção. Ao todo, os atos reuniram cerca de 400 mil pessoas no Rio e em São Paulo.
Outra polêmica envolvendo a Lava Jato na gestão Temer foi quando o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, antecipou que haveria novas prisões. No dia seguinte, o ex-ministro Antonio Palocci foi preso. Ele negou ter informações privilegiadas, mas a declaração provocou desconforto no Palácio do Planalto.
Críticas
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, réu na Lava Jato, é um dos mais fervorosos críticos da operação. A defesa do petista deu entrada em uma ação na ONU (Organização das Nações Unidas) em que denuncia eventuais abusos por parte do juiz Sérgio Moro. Na opinião dos advogados, Moro perdeu a imparcialidade e não tem condições de julgar o ex-presidente.
Entre os processos de Lula na Lava Jato estão os casos do triplex no Guarujá e de um sítio em Atibaia (SP). As investigações indicam que se tratam de imóveis que pertenciam ao ex-presidente, mas foram ocultados em nome de terceiros. Além disso, as reformas foram pagas por empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras e poderiam ser, na visão dos promotores, uma forma de pagar propina.
Vale lembrar que Lula foi conduzido coercitivamente (levado à força para prestar depoimento) a uma delegacia da Polícia Federal, em São Paulo, por determinação do juiz Sérgio Moro, em 4 de março. O episódio causou polêmica sobre a necessidade da medida.
Foi, inclusive, uma interceptação de uma conversa entre Lula e Dilma que causou constrangimento ao juiz Sérgio Moro. O magistrado chegou a se desculpar para o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki sobre a divulgação da conversa de um político, no caso a então presidente, com foro privilegiado. No dia em que as gravações foram a público (16 de março), milhares de pessoas foram às ruas protestar contra Dilma.
Em janeiro, um manifesto assinado por cerca de cem advogados, alguns deles renomados, faz duras críticas à Lava Jato. Eles dizem que a força-tarefa viola direitos e garantias fundamentais e promove vazamentos seletivos de informações.
Futuro
A continuidade da Lava Jato poderá ser impactada por uma mudança na legislação que não seja bem-vista por promotores e juízes. Mas enquanto isso não ocorre, muitos podem ser alvos a partir do que se conseguir com as delações da Odebrecht.
Antes concentrada na base de apoio do governo Dilma, agora a Lava Jato já tem nomes importantes, por exemplo, do PSDB, entre os citados. O presidente nacional do partido e senador, Aécio Neves (MG), é um deles. Ele foi mencionado por pelo menos quatro delatores em casos diferentes de propina.
Já o ministro das Relações Exteriores, José Serra (SP), é apontado na delação de Odebrecht como beneficiário de R$ 23 milhões em caixa dois para campanhas. O dinheiro teria sido pago no Brasil e na Suíça.
O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTC-AL) também já é uma figurinha marcada na Lava Jato. Ele é acusado pela Procuradoria-Geral da República de ter recebido R$ 29 milhões em propina entre 2010 e 2014 em contratos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
Outro ex-presidente, José Sarney, é alvo das investigações. Em sua delação, Sérgio Machado acusa o peemdebista de ter recebido R$ 16,2 milhões em dinheiro vivo.
O ano que vem será de turbulências no Palácio do Planalto, conforme mostram diversas conversas de bastidores de integrantes do governo. Isso porque a delação de Odebrecht poderá atingir em cheio pessoas ligadas ao presidente Michel Temer.