Como fica Hollywood após ano de escândalos e acusações de assédio
Casos revelaram condutas ilegais de profissionais famosos do cinema
Retrospectiva 2017|Helder Maldonado, do R7
Desde que as primeiras acusações de assédio sexual envolvendo poderosos profissionais de Hollywood vieram à tona, uma pergunta se faz presente: como a indústria do cinema será abalada por essas sórdidas revelações e como o ambiente de trabalho será moralizado? O ano de 2017 inteiro marcado por escândalos do tipo no principal mercado cinematográfico do mundo.
A princípio, os culpados foram penalizados com a perda de emprego e exclusão de projetos em fase de pré-produção. Porém, pouco ou nada além disso foi feito para prevenir abusos no passado e ou de agora em diante.
No início de dezembro, o grupo Women in Film, criou um projeto para atender as vítimas desses casos. Cathy Schulman, produtora de filmes vencedora do Oscar por Crash e presidente da instituição disse ao Los Angeles Times que foi surpreendida pela quantidade e frequência de assédios no cinema.
— Como muitas pessoas em Hollywood, eu teria pensado que esse tipo de coisa era altamente incomum e extremamente rara. Não sou ingênua, mas essa explosão de notícias é um choque para todos nós.
O grupo planeja desenvolver um sistema para acompanhar de forma confidencial queixas e identificar tendências quando várias alegações são feitas contra um indivíduo ou um determinado local de trabalho. O produtor Harvey Weisntein, por exemplo, foi denunciado por mais de 70 mulheres em vários níveis de abuso sexual e conduta inadequada.
Antes, porém, os estúdios e escritórios que representam os artistas já forneciam redes de segurança para denúncias de abuso sexual. No entanto, elas eram pouco utilizadas, pois as vítimas temiam sofrer represálias.
Junto a isso, há a regra de que estúdios não são locais de trabalho típicos. O comportamento é mais casual e os horários, diferentes das empresas. Na fórmula ainda entra o fascínio que se tem pelo empregador, o que geraria uma eventual tolerância para comportamentos inadequados.
Brasileiros em Hollywood
Mas se a quantidade de casos assusta e surpreende, quem teve experiências no mercado norte-americano garante que não é a regra. Daniela Escobar, por exemplo, acredita se tratar de casos isolados, até pelo quantidade de profissionais envolvidos na área. A brasileira, que atualmente está no ar em Apocalipse, como a personagem Ângela Menezes, também aposta na punição.
— Acredito que a vida dos envolvidos nesses casos, com certeza, vai mudar. Quando acontece algo assim lá, as carreiras acabam. Mas em geral, eles já tem uma conduta bastante correta, a grande maioria é bem séria.
Além disso, Daniela aposta que a popularidade que as acusações tomaram ajudarão a inibir novos casos onde a hierarquia se sobrepõe à ética.
— Acredito que ajude a inibir por algum tempo algumas criaturas. Mas psicopatas são psicopatas. Não têm consciência. Agem como querem. O bom de lá é que a punição acontece. Basta que saibam, que as denúncias aconteçam.
Mina Nercessian, que já esteve em séries como Las Vegas,Freddie e Reno 911, aposta que essa é uma nova fase que se inicia em Hollywood.
— No passado, mulheres eram assediadas e tinha medo de denunciar. Além de serem prejudicadas, ainda eram processadas por difamação. Os homens que assediavam, contavam com o nosso silêncio. Mas isso mudou.
Leia também
Milhares se reúnem em Hollywood para passeata #MeToo contra abuso sexual
Hollywood já teve mais de 380 denúncias recentes de abuso sexual
Sundance trabalha para tornar festival de cinema mais seguro após escândalo sexual em Hollywood
Diretor Brett Ratner é acusado de assédio sexual em novo escândalo de Hollywood
Kevin Spacey busca tratamento após acusações de assédio sexual, dizem representantes do ator
Sigilo contratual ainda é empecilho
A atriz vai além e toca num ponto pouco conhecido sobre assédio sexual na legislação norte-americana: os acordos de não divulgação — conhecidos pela sigla NDA. Em muitos segmentos profissionais, os casos de assédio são julgados e as vítimas indenizadas, mas sem que o nome do criminoso venha à tona, perpetuando a permanência de um abusador ou estuprador na indústria. E, para ela, isso deveria ser mudado.
— Precisamos alterar certas leis que protegem o comportamentos dos homens, como ter um NDA para assédios. Claro que vai ser uma briga difícil.
Isso inclusive atinge o produtor Harvey Weisntein. Segundo o The New York Times, Weinstein fez um pagamento de US$ 100.000 para a atriz Rose McGowan em 1997 visando manter sigilo sobre uma conduta que ela descreveu como "violação". O executivo também recorreu a NDAs em outras causas na Justiça, como quando foi acusado de assédio em 1998 pela assistente Zelda Perkins.
Esses termos geram discussõe e dividem advogados e juízes nos Estados Unidos. Alguns já pedem o fim desse tipo de sigilo, porque seria injusto um acusado de assédio continuar a trabalhar e repetir o comportamento no ambiente profissional.
A população americana também não denuncia os assédios: apenas 13% das vítimas informam o crime no local de trabalho ao empregador ou à Justiça, de acordo com um estudo recente da Equal Employment Opportunity Commission.
Tanto em Hollywood quanto no resto da força de trabalho americana, muitas empresas usam NDAs e outros acordos legais para proteger o empregador de conseqüências legais por irregularidades.
Isso pode manter o comportamento criminoso fora do olho do público e dos tribunais. É uma forma legal de comprar o silêncio da vítima. Dessa forma, alguém como Weinstein ou Kevin Spacey poderiam ser reincidentes sem consequências e sem o conhecimento público.
No entanto, as NDAs pode enfrentar novos desafios legais e Hollywwod deverá sentir os efeitos. Em Nova York, recentemente introduziram uma legislação para anular qualquer contrato que inclua cláusulas para silenciar trabalhadores sobre assédio ou discriminação. Brad Hoylman, um dos co-patrocinadores do projeto de lei no Senado do Estado é irredutível sobre o assunto: "Ao silenciar as vítimas, estamos apenas criando novas vítimas".
Enquanto isso não mudar, os assédios ainda serão tabus na indústria. Alguns acordos de confidencialidade detalham as conseqüências por quebrá-los. E os valores das multas são altos. A empresa de Leonardo DiCaprio, por exemplo, afirma que os contratados devem pagar ao ator US$ 250 mil se violarem o acordo, enquanto o programa Shark Tank exigiu um pagamento de US$ 5 milhões. Isso só contribui para que muitas vítimas jovens continuem escondidas.